domingo, 23 de março de 2014

IMPERTINENTE FOCO

A imagem nada mais é que o reflexo,
Nítido, desfocado, presente, ausente;
O que se reflete: é visível, ou não!

Ressaltado, apagado, polido, opaco,
Ou pode ser fraco. Claro, escuro,
Murmúrio, tristeza, destreza, fortaleza!

Ou, o que se queira ver,
Ser, parecer, pintar! Assim sendo,
A ilusão daquilo que se vê
Permite imaginar, criar, fantasiar...

Determinar, suspeitar, analisar!
A hipótese, o diagnóstico, o prognóstico,
Carregado, sempre, de profundos detalhes
Viáveis, inviáveis, contraditórios e confusos.

Impertinente foco! Não quer ser visto!
Fragilidade, limitação, lamentação,
Amargura, em vão...

Pertence a imagem que
Propaga-se, e não se apaga,
Nem mesmo ao escurecer.

Essencial presença que,
Ao involuntariamente sorrir,
Colore a imagem, muda o ângulo,
Transforma a figura!

Impertinente foco!

Airla Gomes Moreira Barboza

sexta-feira, 21 de março de 2014

SEM A MINHA NEGAÇÃO

De que foges nessa tua pressa à toa?
- É a pergunta que te faço, invocado!
Pois de mim que, vejo, cobras a suplência,
Reafirmo-te com a mesma veemência:
- Não te zangues, permaneço cá, parado.
Se o desejo é um querer-estrada-boa,
Saiba, o outro, que o sou, sigo na proa.
Não te largo; sou-te estranho! Vou ao lado!
É do Não em que me valho pra te ter
- nominando os sem-limites do querer!
Minha essência negativa não te assombra,
Posto que, afinal de contas, somos sombra
Um do outro, sem a qual nada se forma.

Não te afirmes, meu caro, sem a minha negação!

segunda-feira, 17 de março de 2014

EMBRIAGUEZ POÉTICA

Era Vespertino do dia treze de março de 2014. Quando cheguei ao apartamento onde moro, fui surpreendido por um envelope de cor amarela deixado pelos correios, nele continha um licor adocicado de prosa-poética. Veredas Sinuosas batia a minha porta e desejava me consumir. Fui mais forte e resisti, eu já estava atrasado para ir trabalhar.

Depois que terminei minha aula, por volta das vinte horas, voltava para casa de bicicleta e um frio me batia na barriga. Uma inquietude turbava meus pensamentos. Minha boca enchia-se de água ansiando saborear aquele licor.  Não resisti à tentação, mudei a rota.  

Sentei-me no banco de uma praça, sem Me preocupar com quem estava lá, abri a mochila e retirei aquela bebida. Aos poucos, tomei o primeiro gole, outro gole, mais um gole e de repente estava secando a garrafa, fiquei bêbado de poesia. 

Como todo homem embriagado “chorei, esperneei / Não adiantou. / Nada mudou, / Sem antes mudar eu”. O bom é que eu não estava sozinho, “Do Choro, do Parto”, Benedito caiu aos prantos também. 

Eliton acompanhado de Mário Gomes “travaram um dialogo confuso” na mesa de um bar, próximo do Dragão do Mar. Mário ofereceu um cigarro e Eliton um chope, ambos recusaram e a poesia se deu. Eliton em um “Elogio da Loucura” recordou seu tio Valdemir, um homem que ficou fraco do juízo, porque sua mulher precisou partir. 

Já era tarde da noite e eu precisava ir, levantei-me embriagado, “Andei sem rumo, / E estou a andar / Extasiado, / Com tantos destinos, / Caminhos que o sol / Facilmente me dá!”. 

Messias Pinheiro
Iguatu, trezedemarçodedoismilecatorze.
(Vinteetrêshorasenoveminutos)

domingo, 9 de março de 2014

COMPAIXÃO

Os raios solares cintilavam toda a extensão territorial, onde se encontrava José. Um balde, preso a uma corda, emergia de um profundo poço já quase seco pela escassez de chuva. O conteúdo contido no recipiente era barrento, era sujo, era impuro, era água. Nosso amigo José fizera uma longa caminhada de sua casa ao presente local. A maioria dos rios encontrava-se vazios; este poço, em pouco tempo, não seria mais exceção.  

José, neste instante, regressa à sua casa. Vai devagar, com passadas lentas, quase rasteja. Segura, em cada uma das mãos, um balde. O líquido, transparente por origem, encontra-se com cor. O trajeto é longo, árduo; o agricultor, dizemos assim sua profissão por força do hábito, pois em períodos assim, esse trabalho tão digno torna-se impraticável, encaminha-se ao seu modesto lar, perdido em pensamentos.     

José ultrapassa os trinta anos, possui altura regular, uma fisionomia fatigada, enrugada, beirando a tristeza. Casado há alguns anos, possui um único filho batizado de Francisco, pelo qual guarda um amor incondicional. Desde o nascimento da criança, há pouco mais de sete anos, José vira sua existência ganhar um novo horizonte, um novo sentido. Tinha pena de seu amado filho, é verdade, de não poder proporcionar-lhe uma vida diferente daquela, que suas míseras condições poderiam sustentar, todavia dia após dia, debaixo do sol ardente lutava, constantemente, não para dar uma vida pomposa à sua família, já que essa esperança nunca teve, mas para ser o melhor marido e pai que conseguisse.

Depois de uma penosa caminhada, nosso conhecido chega, enfim, à sua morada. A casa é simples, de taipa, teto baixo, com a porta principal bem gasta. José entra quase sem fazer barulho. À janela, está Fátima, sua esposa, com o queixo apoiado na mão, tendo o cotovelo sobre a mesma janela. Fátima permanece estática, parece nem se dar conta da presença de José. Seus olhos, neste momento, brilham, enquanto observa o quintal. Sua boca esboça um sorriso discreto, que se concretiza logo após. Com a atenção, até então, fixa no quintal, volta-se ao marido, quando ouve sua voz grave, porém amigável. 

- Voltei, mulher!

- Que bom, José, ainda tinha água naquele poço? – indagou Fátima como se lembrasse de perguntar algo importante.

- Tinha, graças a Deus, mas não tarda a secar.

- Ah, estou tão preocupada, José, parece que esse ano será como o outro, com pouca chuva – disse taciturna. 

- Deus sabe o que faz, mulher! – respondeu José de prontidão.

Não se surpreenda o leitor com tamanha fé, já que as pessoas, principalmente as mais necessitadas, sentem-se confortadas ao saber ou pensar que há alguém, em um plano superior, prontos a socorrer-lhes mesmo nos momentos chamados conturbados. 

O agricultor pôs a água de ambos os baldes em um compartimento maior. Dirigindo-se, logo após, à janela, o rosto de José tomara um caráter afável, seu coração contraiu-se não de dor, mas de orgulho e alegria. Contemplava, esquecido do mundo, Francisco, de cócoras, nu da cintura para cima, sem chinelos, notavelmente franzino, cabelo crespo, a brincar. O pai da família deu a volta pela porta e, sem se deixar notar, abraçou, de surpresa, o seu único filho. 

- Esse menino passa o dia inteiro brincando – falou José sorrindo, enquanto abraçava o filho.

- Quando o senhor vai me ajudar a fazer meu carrinho, pai? – perguntou o garoto já exaltado pela presença do pai.

- qualquer dia, meu filho. Hoje, papai tem de ir à cidade.

- O que o senhor vai fazer lá?

- Tentar arrumar algum serviço para poder comprar o seu material escolar – disse José, beijando a cabeça do filho. 

Francisco viu seu pai tomar o rumo da casa e ouviu sua mãe avisando-o para almoçar antes da partida. O garoto frequentará o segundo ano do colegial, e neste, assim como no ano anterior, era encontrada, por parte dos pais, dificuldade para comprar seus materiais de estudo. Apesar de bastante jovem, a criança estava ciente da situação alarmante que se encontravam. Sabia, antes de tudo, da crise financeira que sempre os acompanhou, preocupava-se também com a ausência de tempos chuvosos, pois era este o principal fator que agravava a situação econômica daquela família necessitada por natureza. Nosso jovem habituara-se a essa vida contida de bens materiais, à falta de recursos até mesmo para as necessidades básicas como roupa e comida, no entanto, jamais questionara o esforço dos pais em oferecer-lhe, dentro de suas sórdidas condições, o melhor que pudessem. Possuía o amor de seus pais, sentia-o nas carícias, nos gestos, nas palavras. Sonhava um dia ter profissão, formar-se e, desta forma, amparar os seus protetores. Tinha conhecimento da dificuldade que encontraria nessa jornada rumo ao futuro mais digno, contudo estava bastante agitado com o retorno das aulas, estudará na mesma escola do ano pretérito, reencontraria seus amigos que, sejamos francos, não eram poucos. Mostrara-se, no colégio, um garoto muito sociável, amigável e dedicado aos estudos; talvez, por isso, foi alvo de constantes elogios por parte dos professores. 

- Tira a roupa do varal e traz pra cá, Francisco – gritou Fátima de dentro da casa.

- Estou indo – falou Francisco em resposta.

O garoto foi ao varal e, uma por uma, recolheu todas as peças, penetrou a casa com o amontoamento de roupas entre as mãos, segurava-o com dificuldade, Fátima veio logo à porta e o ajudou a pô-las sobre a cadeira. Francisco tinha os olhos em cima de uma vestimenta em especial, olhava-a fixamente como se observasse um artefato místico, todavia não pense o leitor que atentamos, aqui, ao sobrenatural, sendo que nada mais era do que a blusa do uniforme escolar de Francisco. De tamanho P, colarinho azul, tendo o emblema da instituição ao peito esquerdo; a blusa branca por natureza, dizemos por natureza, porque manchas amareladas estavam já perceptíveis, dava sinais de muito uso, mas como seu pai afirmara-lhe ser inconcebível a compra de uma nova, Francisco a usaria por pelo menos mais um ano. Com o pouco capital de que a família dispunha, tornava-se penosa qualquer tentativa de obter algo além de comida. Aparato por parte do governo não havia, nem mesmo uma política ou projeto educacional que fornecesse os utensílios básicos necessários para exercer-se a função de aluno, pois os homens que controlam a economia e regem as leis têm mais o que fazer.  

José, à porta da prefeitura da cidade na qual é nativo, que fica a poucos quilômetros de sua morada, está, em seu íntimo, apreensivo; pois trabalho não conseguira. Recorre, em última esperança, ao prefeito. Ao entrar, depara-se com a secretária, que logo pergunta:

- Boa tarde, senhor, posso ajudá-lo?

- boa trade, senhora, é porque eu queria falar com o prefeito – disse José hesitante.

- Você poderia adiantar o assunto? – falou a secretária com um leve sorriso.

- Vai começar as aulas do meu filho, e eu não tenho como comprar o material dele... – José foi interrompido pela secretária que já havia entendido a situação. 

- Pode deixar, senhor, qual o seu nome mesmo?

- José.

- Seu José, espere aqui, vou ver se o prefeito está presente no gabinete.

José sentou-se, com seu ar humilde, chapéu de palha à mão, usava uma blusa azul, de mangas curtas, rente ao cotovelo; a calça cinza, de pano leve, um pouco larga para seu corpo magro, dava algo de desajustado na aparência de José. Não usava sapatos, não os tinha, os pés firmavam-se sobre chinelos velhos, pois era o que dava para comprar. O único sapato que havia em sua casa pertencia a Francisco, José os adquirira depois de muito esforço, comprou-os para que seu filho pudesse comparecer, o mais descente possível, ao aniversário de seu colega do colégio, que o convidou com muito carinho. Na ocasião, nem mesmo presente Francisco levou. A dívida pecuniária deixada pela obtenção dos sapatos era exorbitante por si só. O leitor deve saber que a quantia referida não ultrapassa quarenta reais, entretanto levando em conta as condições precárias dessa família, a mesma dívida parecia agigantar-se.  
Um homem trajado formalmente estava sentado a uma mesa. O imóvel tinha, sobre si, muitos papéis. Aquele senhor calvo, um pouco acima do peso, parecia extremamente enfastiado com tudo aquilo. Segurava uma caneta, que largou após ouvir um ruído vindo da maçaneta da porta. 

- Senhor prefeito, tem um homem chamado José querendo falar com você, parece que ele deseja uma pequena quantia em dinheiro para comprar o material escolar do filho – disse a secretária já fechando a porta atrás de si. 

- Este José é aquele que mora um pouco afastado da cidade? – perguntou exaltado o prefeito.

- Creio que sim, é um sujeito magro, moreno – resmungou a secretária.

- Eu o conheço bem – disse o prefeito enraivecido – na eleição anterior, ele votou no candidato da oposição, diga a ele que eu estou ausente, ora essa, é cada um que me aparece – terminou o prefeito indignado. 

A secretária tomou o procedimento imposto pelo prefeito, ou seja, dizer a José que o mesmo estava ausente. Nosso agricultor esboçou poucas palavras, deu boa tarde e se retirou. Ia andando a passos vagarosos pelas ruas, seus olhos lacrimejavam, com a alma amargurada vagava para casa. Tentaria, no dia seguinte, conseguir alguma remuneração em troca de serviço. Sentiu, de súbito, uma gota d’água tocar-lhe o braço, levantou os olhos, o céu estava escuro, tenebroso, logo choveria. Talvez fosse esse o prenúncio de dias melhores, mas somente o tempo poderá concretizar tal afirmação. 

Kelvis Albuquerque
Coreaú/CE

quinta-feira, 6 de março de 2014

MAR

Olhando para o mar
Tenho a sensação
Que naquela imensidão
Algo fico a esperar
O balanço das ondas
Tanto traz, quanto leva
Amarguras e quimeras
E a brisa
Sempre a soprar
Ilusões, fantasias; utopias...
O mar é uma estrada
Em que o barco desliza
Enquanto aos olhos
Parece infinita
Esse é o lugar
Vidas misteriosas
Nele estão a morar
E do verde a se alimentar
O mar é um espelho
Nele se refletem
Satélites, sombras e luar
Ele nos parece infinito
Dá até pra assustar
Com sua força causar
Estragos, inundações
Erupções de vulcões
Mas de nada é culpado
Ondas altas com bailado
Tem suas limitações
Mas o homem se impõe
Invadindo o seu leito
Apertando o seu espaço
Depois não sabe o quê
O mar quer lhe dizer

Airla Gomes M. Barbosa

quarta-feira, 5 de março de 2014

FIM POÉTICO

Falava sozinho ao longo das tardes e em demorados períodos das noites. Discursos de fôlego, ora enérgicos, ora carismáticos, ora quase sussurrando como se ao pé do ouvido de alguém, ora em alto tom como numa reunião ou como proferisse uma palestra. Enquanto isso, os vizinhos percebiam aquele incessante burburinho. 

- O que aturdia ao Pedro Manuel? 

Já desde mais de mês se enclausurara em casa, saindo somente por última urgência, quando a fome lhe forçava a ir ao mercadinho comprar o que comer. Ao caminhar, evitava troca de olhares; vendo alguém que lhe causasse certo desafeto, ficava a resmungar coisas inaudíveis, mudava de expressão, ar de ranzinza e ressentido. Poucos ousados chegaram a tentar troca de palavras, ao que nosso protagonista respondeu com silêncio ou no máximo com um aumento na frequência dos sussurros de si para si, porquanto nada lhe detinha em seu trajeto. Na venda, limitava-se a perguntar o preço, rispidamente, pagava trêmulo, pegava a sacola, saia sem mais. Certa vez, absorto, fez pouco até para o troco.

E é isso.

Além das conversas dele com ele mesmo, nada mais da casa se ouvia, sequer o arrastar duma colher sobre um prato, sequer o balançar duma rede... Portas e janelas fechadas, luz amarela acessa, silêncio... exceto a voz que brandia, que consolava, que aconselhava, que se exibia a um único expectador, em cuja solidão fazia de si dois, o que falava e o que ouvia, o que retrucava e o que treplicava, enfim...

Só de imaginar já dava agonia. 

O que aconteceu com Pedro Manuel? Ora, era um homem dedicado, por demais educado e consciencioso, nunca agrediu com palavras, muito menos fisicamente, a um só vivente durante os meses em que ali estava. Alguns pivetes da rua chegaram tantas vezes a troçar com seu jeito, por sinal realmente engraçado, de andar, e nem ligava, isso certamente não o importunava com tantas coisas realmente relevantes para se cuidar. Ninguém sabia em que trabalhava, porém se o via com livros e papeladas a tiracolo, apressado, bem vestido, jeito de quem sabe das coisas. Talvez fosse professor ou estudioso... Não importa! De certo fazia algo de interessante na vida. Tinha dinheiro; pagou quatro meses de aluguel adiantados da casa, embora modesto. Se bem que nunca o vimos acompanhado de ninguém, nem pai nem irmão, nem namorada nem amigo. Disse ele a Joanina, depois de duas vezes lhe perguntar, que moravam longe. Quem sabe o longe fosse que houvessem morrido ou nunca existido...Vá saber... São todas meras especulações. Hoje as pessoas são mesmo solitárias! É normal! Não damos conta nem da nossa própria vida, né?

Contudo, duma sexta-feira em diante não mais se ouvia suas palavras. Nem saia para canto algum. A luz amarela permanecia acessa. Os vizinhos, mesmo egoístas que eram, começaram a se preocupar, tocando no assunto durante as refeições e a pensar besteiras, influenciados pelas más notícias frequentes dos jornais policiais. Estaria somente envolvido em suas reflexões e estudos? Teria enlouquecido de tanto estudar? Ao que parecia seria o mais lógico.

O menino Vitinho, enxerido, depois de passada uma semana de silêncio - e a despeito das admoestações da mãe que o bem conhecia e recomendara excessivas vezes, o suficiente para lhe despertar o desejo, que não fosse dar uma de besta e xeretar na casa do vizinho -, resolveu tentar espiar. Subiu no muro pela casa contígua, a qual se achava desabitada, e uma brecha nas telhas dava vistas para dentro. Quase caiu para trás. 

Viu Pedro Manuel, magro e amarelo, com os olhos fechados, estendido sobre uma enorme pilha de papeis rabiscados. Nenhum mínimo movimento.

Correu. Chamou a mãe. 

Foram bater na porta. Gritaram por Pedro Manuel, sem sinal de vida. Mário, pai de Vitinho, decidiu-se e acionou a polícia. Chegaram os guardas. Chamaram igualmente. Vendo que nada aparecia, arrombaram a porta aos chutes, entraram e o encontraram mesmo no estado que Vitinho descrevera. Checaram seus pulsos. Mudos. Falecera possivelmente naquele dia, resultado da fome e da insônia. Não souberam notar os papéis que lhe rodeavam. Um deles, de letra vermelho-forte, dizia em versos:

Sou a palavra
Eis o alimento
Sou feito verso
Neste meu tormento
Me basto a mim
Em tanto amar.

Outro, azul de pincel, traçava:

Cansei-me de ouvir o mundo
Tentei em mim mesmo ouvir falar
A mensagem de algo além
Daquilo em que pude acreditar.

E um terceiro por sobre o corpo resumia:

Os versos são minha carne
Meu pão e vinho, minha salvação
São as palavras os meus amores
Somente eles movem o coração
Se fui e vi o que a vida tinha
Se bem sofri e já corri de um tudo
Trago nas letras que falei um dia
O que em outros permanece mudo
Falei, falei, tão pensei e fiz
De mim o verso em que me penei
Paguei o preço com a solidão
Foi mais um passo que eu planejei
Rumo ao infinito do sem-razão
Enfim...

Não coube explicação a sua morte. Sua vida foi, quem sabe, somente um ensejo para a poesia. E seus melhores versos, que tanto queria, suponhamos, cobraram-lhe o preço pela fantasia. A fome lhe rendeu o livro que planejou, espalhado por aquele piso em papéis multicoloridos. Pedro Manuel, um nome, uma desculpa para a poesia. O silêncio a guardava, aguardava o dia em que a loucura lhe renderia poesia. Uma simples história sem sentido, como a verdadeira e sincera vida. A perícia não entendeu aquilo tudo, nem era para entender, por certo, nem os vizinhos, ninguém sequer soube ler direito o que escrevera. Foi tudo ao lixo. O livro. Os versos. O homem. O preço.

Benedito Rodrigues
Membro da APL

segunda-feira, 3 de março de 2014

MÁSCARA


No canto do quarto, sentado sozinho, 
Repara no espelho um desfile passar: 
Os sonhos se foram num redemoinho, 
Não há mais menino no rio a brincar. 

Foi falsa esperança, velhaco adivinho: 
Não basta o sereno p'ra terra invernar. 
O logro não veio, o agora é mesquinho; 
O porvir segue ainda uma tela a pintar. 

Na larga avenida, desce em desalinho 
O bloco mambembe, num lento pisar. 
Esgueira-se entre a poeira e o espinho, 
A máscara que ensaia seu tosco cantar. 

No galho lá fora, canta o passarinho: 
A vida se espraia p'ra além do espiar. 
Há rastro escuso no longo caminho, 
Oposto ao destino que intenta chegar. 

Éliton Meneses

SOL DE JANEIRO

Chamo-me Francisco, João, José e Manoel. Queimado pelo sol e calejado pelos dias. Meu barro de homem foi cozido na peleja. Calado. Circunspecto. Suado. O sol tine a pino. Trepida o ar na roça queimada. Enxada. Meio-dia, chega a boia. Paro. Espio em volta. Prostro-me à sombra. Assombra-me a perspectiva de não chover. Consola-me a fé em Deus. Afligi-me a fome. Lembro de Maria, Conceição e Aparecida. Vem-me à verve também Pedro, meu pai, morreu tão novo. Morreu tão novo... Nem o vi naquele dia. Estava pro Sul! [iludido] Ilusão é uma palavra sem sentido. Prefiro conversar com a terra. Ela me responde da melhor forma possível:

- Empresto-te a vida [com juros]!

Ao que eu retruco, como sempre, com um “sim” encabulado. E olho ao lado o horizonte. Límpido. Azul. Nem uma única nuvem. E uma rajada de vento me cega temporariamente. Uma mensagem? Traduzi-a como:

- Não temas. Se temeres é pior!

E essas conversas solitárias com a terra, o sertão, a fome, o medo, as lembranças das quais me escondo, tudo junto comigo, na minha união em sina com tantos outros homens... Delas pude ver o que há por trás do silêncio, do mim-ensimesmado. Vi que sou pó. E naqueles janeiros ensolarados, pós-seca, soube o que os doutores negam, enfeitam, romantizam. Soube a crueza de homem-morte-e-vida. Ultrapassei o além da dor. E senti que a minha fé é meu único sustentáculo.

Benedito Rodrigues
Membro da APL

domingo, 2 de março de 2014

REVIVENDO O INESQUECÍVEL

Nos meus tempos de criança, tínhamos vida independente. Existia a confiança de nossos pais em nossas atitudes e com isto amadurecíamos mais cedo, mas nem por isso deixávamos de cometer as peraltices (danações) de crianças.

Lembro que éramos liberadas para os banhos de rio, até mesmo nas enchentes. Sempre com o horário da volta determinado, mas não lembro nem se existia alguém de relógio, e ai de nós se perdêssemos a hora. Ficaríamos dias sem permissão, para o passeio. Era este o significado do banho. Aprendíamos a nadar sozinhas e atravessávamos de um lado do rio para o outro sem sabermos o que nos esperava por lá. O medo não conhecíamos. Descobríamos frutas, talvez silvestres, não sei ao certo, sei que experimentávamos todas. Existia: o canapu (uma fruta de formato, sabor e tamanho semelhante ao tomate cereja, mas o seu aroma era mais ativo), a remela (uma folha verde com filetes finos formando uma franja ao redor e em seu interior uma espécie de geléia deliciosa e de textura endurecida), o pau do rio (formato arredondado e pequeno, quando maduro abria como o botão de uma flor formando umas pétalas minúsculas e dentro havia uma semente de cor preta. O sabor, inesquecível, ácido como o da groselha). Perto de nós, nenhum adulto para interferir em nossas ações, alertando-nos que, um daqueles frutos poderia não ser comestível. Existia a presença de adultos, mas lavavam roupa e nem davam conta dos fatos. E tudo dava certo! Então, retornávamos todas juntas. Esse feito acontecia no rio do Cemitério. No mesmo rio, na época das enchentes, uma forte correnteza apressava a passagem das águas. Ainda assim, não deixávamos de atravessar o rio. Lembro que para voltar, subíamos nas árvores e pulávamos na água. Com a força dela, chegávamos à margem quase na curva do rio, um local perigoso, porque a água na descida parecia dobrar a velocidade. Era a nossa sábia suposição.

No rio do Socavão, na escassez das chuvas o nível da água baixava e no meio do rio, formava um espaço de terra. Nadávamos até lá e ali ficávamos sentadas conversando, ou brincando. A ausência do medo nos permitia cometer insanidades. Por exemplo: eu levava a minha irmã mais nova comigo, para não deixá-la sozinha. Como a minha irmã não sabia nadar, eu pedia que ela colocasse as mãos sobre os meus ombros e não fizesse nenhuma força e assim eu a levava e a trazia. Hoje fico atordoada lembrando nossas atitudes destemidas. Nossos pais não sabiam de nada e como se não bastasse, ainda tinham os pulos mortais. As meninas davam uma distância, corriam e pulavam na água, girando, de uma alta ribanceira. Para esse feito, jamais, ousei.

Sei, que a leitura desse texto fará com que muitos leitores se reportem para esta época e lembrem dos nossos inesquecíveis e bem vividos dias, em Coreaú.

Airla Gomes M. Barboza

sábado, 1 de março de 2014

MOVIMENTO LITERÁRIO PESCARIA



"Em novembro de 2012, Mailson Furtado ganhou a oportunidade de lançar seu primeiro livro, Sortimento, na X Bienal Internacional do livro em Fortaleza e junto dele, levou Erasmo Portavoz, parceiro de projetos e trabalhos culturais. Na oportunidade o evento estava homenageando a Padaria Espiritual, movimento literário que deu origem à primeira Academia de Letras do Brasil, a Academia Cearense de Letras. Entusiasmados com aquele ambiente e as trocas de experiências vividas, decidiram levar algo daquela experiência à cidade na qual militam culturalmente, Varjota, no sertão Norte do Ceará. Desta forma, pensaram em uma maneira de como concretizar o que haviam em planos. Veio assim a ideia de um grupo literário, este intitulado Pescaria. Dentre os planos do grupo estava a publicação de um jornal literário para ser o meio de comunicação do grupo, que ganhou o mesmo título. Apesar de o grupo não está mobilizado, o jornal tomou sua forma e teve sua primeira edição lançada em março de 2013, na Semana de Poesia organizada pelo Movimento Cultural de Varjota. O grupo literário, no entanto, manteve-se inativo de abril até novembro, quando autores que já publicavam e publicam no jornal tomaram a iniciativa de enfim mobilizar um grupo que se reúna de maneira regular para discutir literatura. Dentre os nomes desses autores estão: Mailson Furtado, Felipe Ximenes, Otávio M. Silva, Erasmo Portavoz, Phelipe Gomes, Magnel Carvalho, Yane Cordeiro, Bruno Trajano, Mara Alves e Erineu Ferreira. Os encontros acontecem com a presença desses jovens amantes das Letras e das Artes, adeptos e curiosos por arte, que sentam nas manhãs de sábado para discutir os mais diversos temas e difundir a arte e a literatura a todos os que precisam, à margem do Rio Acaraú em Varjota/CE. A nomenclatura utilizada no movimento remete ao maior símbolo da cidade, o peixe, a pescaria, o pescador. Assim, todos são pescadores. O Pescaria foi de fato inspirado na Padaria Espiritual, embora siga uma ideologia distinta. Tornando público este movimento, convidamos você vir fazer parte dos nossos encontros e ser pescado e pescar literatura junto de nós pescadores."