segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A escrita sem medos

Nas sociedades modernas, nas quais estamos inseridos, a escrita é imprescindível. A todo momento deparamos com textos escritos, tais como contos, crônicas, romances, poemas, nomes de ruas, jornais impressos, receitas médicas, nome de estabelecimentos comerciais, e-mails, nomes e dedicatórias em sepulturas etc.

Desde tempos imemoriais, a escrita tem alimentado a crença da superioridade cultural do povo que a emprega, sendo responsável pelo seu desenvolvimento político, social e também humano. Partindo dessa premissa, a "superioridade da escrita" adquiriu, especialmente na Grécia, outros enfoques: órgão responsável pela transcrição da fala; a superioridade do alfabeto, instrumento primordial do desenvolvimento cultural e científico; instrumento de desenvolvimento cognitivo, dentre outros.

No século XVIII, Gibbon afirmava que o: "uso de letras é a principal circunstância que distingue um povo civilizado de uma horda de selvagens, incapaz de conhecer e refletir". No entanto, a linguística moderna vem trazendo esclarecimentos acerca dessa suposta "supremacia da escrita", questionando se tudo não passaria de mitologia, na crença dessa superioridade, que passou ou passa a dominar nossa consciência comum.

Segundo os estudiosos, a escrita não constitui transcrição da fala, mas modelo para a própria fala, visto que os sistemas de escrita captam somente a forma verbal, deixando alguns outros elementos da comunicação subentendidos na fala. Ex: Na mensagem: "Estou tão feliz hoje!", dependendo da maneira, da entonação e da expressão facial de quem fala, haverá divergentes significados; tanto pode a pessoa estar literalmente feliz ou o contrário. A superioridade do alfabeto também tem sido questionada, por conta da sua utilidade limitada para representar uma língua monossilábica, como é o caso do chinês. Também foi reconhecido que as crianças orientais, em especial as japonesas, embora inseridas em culturas não alfabéticas, apresentam melhor desempenho na escrita do que as crianças ocidentais.

Nas últimas décadas, os antropólogos e historiadores forneceram informações concretas de que a cultura clássica grega era primordialmente dialética, ou seja, a linguagem e a argumentação orais eram utilizadas amplamente como instrumentos do conhecimento. Na era de Platão a escrita era muito limitada, não mais de dez por cento dos gregos sabiam ler e escrever. O desenvolvimento cognitivo, da mesma forma, não está limitado à escrita, pois se reconhece a alfabetização funcional, ou, mais precisamente, as formas de competência utilizadas para as atividades diárias que dependem tão somente das práticas particulares do indivíduo, em que não há utilização da escrita, como, p. ex., as habilidades de um operário de fábrica, da construção civil, de uma boa cozinheira, dentre outros.

Não obstante as informações e esclarecimentos em torno da problemática da escrita, é de fundamental importância o reconhecimento de que sua invenção foi e é por demais útil para a formação das sociedades clássicas e modernas. Graças à escrita, temos guardados tesouros em textos que repercutiram e repercutem no modo como vivemos hoje. Além disso, ela possibilita uma série de procedimentos para agir sobre a linguagem, como também pensar sobre ela, fato esse que contribui para podermos refletir e inclusive desmistificar a crença de sua superioridade.

Auricélia Fontenele
Da Pós-graduação em Português/Literatura

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