“Marcha, soldado cabeça de papel!
Se não marchar direito, vai preso pro quartel!”
À cantiga de roda, todos os soldadinhos se cruzavam na correria daquela tarde na escola. Empunhavam suas espadas de jornal enrolado, fazendo uma coreografia um tanto desengonçada; em meio aos risos mútuos, quebravam suas “armas” – de espada a chicote. A chuva do inverno caia lá fora, trazendo uma frieza gostosa (atípica), e a umidade amolecia ainda mais os jornalecos.
Enquanto todos os meninos corriam, um dentre eles permanecia sentado a um canto (há sempre esse “estraga-prazeres”), encantado com uma tomada. Queria pegá-la, entretanto sua mãe o avisara do perigo. Ousaria teimar? Tomou em cutucar com um pedaço de palha de carnaúba, que achou não sei aonde. Dois coleguinhas viram e foram acompanhar o experimento. Não custou a tia perceber e dar um berro ao longe: - Menino, larga isso! Tu vai levar um choque! De pronto, largaram e se puseram a brincar novamente; o pensativo nem com tanta empolgação, pois havia algo que o incomodava mais naquele dia. Uma dentre as pirralhas dali, nada mais nada menos que a rainha da quadrilha, chamava a sua atenção; ele é que não chamava a dela – entediante!
O tempo passou... Os estudos avançaram, as tias mudaram, mas a admiração pueril persistiu. Talvez um “não!” mal dado possa até alimentar certas esperanças, ou mesmo o motor seja a reles fantasia. Sabe menino idiota? Pois é, esse se adjetivava assim. Depois duma tarde inteira, deitado ao chão fresquinho de cimento queimado, rabiscara algumas linhas melosas: um flerte encabulado. Talvez a provável fonte do material para tal frescura fosse os programas da TV. Pensava: - Se lá dá certo, por que não dar certo comigo?
Roubou das moedas de seu pai uma fortuna equivalente a cinco centavos. Pegou a cartinha, dobrou-a carinhosamente e ainda salpicou um bocado de desodorante em cima (cheiroso, daqueles que tem estampado um boi na embalagem de plástico, encontrado em qualquer bodega de esquina), o cheiro talvez chamasse mais atenção. Ao olhar a carta, durante as horas que faziam o intervalo da entrega, chega os olhinhos brilhavam. A expectativa: imensa!
De manhã cedo, deu-a a um de seus coleguinhas, conjuntamente com o pagamento pelo serviço, e eis que foi entregue a encomenda à moleca. Já não era a primeira carta, mas bem que poderia ser a primeira a ser lida. Ela andava acompanhada de outra "curuminha" troncuda e valente, que desde cedo já se pusera a mangar. A "rainha" olhou pro Don Juan com uma expressão intrigada; ele sorriu temeroso e até quis esboçar uma piscada. Não deu tempo! Nem sequer sentiu o cheiro do desodorante, nem mal pegou nas primeiras linhas da carta, já a entregou à sua escudeira, que encarou o moleque, fez pouco dele, e rascou-a em miúdos. Restou-lhe um tapa e o sobreaviso que, se teimasse em "enchê-la", teria mais de onde viera o presente. Quão violentas e grosseiras poderiam ser as meninas com as quais sonhara nas noites frias daquele inverno!
Frustrado o menino, persistiu romântico, e só, por um bom tempo. O tapa valeu, a lembrança também. A solidão não durou pra sempre. Há quem goste de cartas!... Talvez, desde que sejam pouco menos melosas, e sem o bendito desodorante!
Benedito Gomes Rodrigues
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