terça-feira, 28 de outubro de 2014

PURIFICAÇÃO



Sorve este verbo
Em cada doce
Fragrância de dor
Sonha, fagueiro
Na noite que finda
De ódio e temor
Sopra esta mágoa
Seca esta água
Impura
Que o batismo real
É de sangue
É de suor
É de sal
É de lágrima!

Sorri
Timidamente
Tacitamente
- depois -
E serás outro
Porque experimentaste
Ser um qualquer
Ser um ninguém.

Benedito Rodrigues
Membro da APL

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O BANCO DO JAIME

Logo ali, na esquina, havia um banco. Não se trata de um banco, estabelecimento tão comum hoje em dia, onde se deposita, saca-se dinheiro e se realizam tantas outras transações financeiras. No tempo deste banco do qual pretendo contar a história, nem se imaginavam coisas desse tipo lá na Palma. Para o bem da verdade, também não era um banco praceiro nem de jardim que existem nas cidades; era um banco de calçada, bem na esquina. 
Ah, era um banco pobrezinho! Uma prancha de madeira tosca, acredito que de pereiro, com um pouco mais de um palmo de largura e uns seis pares de bundas de comprimento. Sustentava-se em duas pernas, em forma de cambito, nas suas extremidades. Não parecia ter sido feito por marceneiro ferramentado. Porém, a face de sentar-se era lisinha, lisinha; não porque tenha sido envernizada, acredito que pelo constante roçar das bundas que nele se sentaram ao longo de anos. 
Como ficava na rua onde eu morava, eu passava por ele várias vezes ao dia e, dependendo da hora, estava vazio ou abundante de frequentadores. Durante a semana, no início ou no final do dia, estavam lá sentados ou em pé, à sua volta, senhores respeitáveis da sociedade, muito deles, autoridades constituídas, como prefeitos, ex-prefeitos, vereadores, coletor, juiz, delegado; não me lembro de ter visto o padre. Aos domingos, antes da missa das nove, a frequência era mais democrática, fazendeiros e pessoas que moravam na zona rural entravam na bodega, em cuja calçada ficava o banco, para tomar uma pinga da cacimbinha ou um trago de conhaque São João da Barra e, no banco sentavam-se à espera da missa começar. 
Pela característica eclética de seus frequentadores e, considerando-se que havia, desde contritos irmãos Marianos até ateus, que nunca botaram o pé na igreja, simpatizantes dos partidos azul e encarnado e adversários políticos, reinava, acima de tudo, o signo da confraria, da amizade e do respeito entre seus frequentadores. Hoje, olhando para trás, diria que era como um fórum informal, um "Senadinho", onde senhores, acima de todas as diferenças, confabulavam sobre quase tudo que fosse de seu interesse e da sociedade palmense. Conversava-se sobre tudo: o pesar pela morte de alguém da cidade; a vaca que morreu de mordida de cascavel; a enchente do rio; o preço do algodão e da torta de caroço de algodão (resíduo para ração do gado), quem chegou de Fortaleza pela Macaboqueira, os melhoramentos na cidade, como o calçamento das ruas, até sobre o tamanho da procissão e tantos outros assuntos, próprios de cidadezinha de vida pacata e gente amiga. 
Tenho vivo na memória visual e emocional os principais protagonistas da história desse banco. Meu pai, os irmãos Gomes Deusdédit e Dimas, seu Totonho Aguiar, Vilar, os prefeitos Novo Camilo e Vicente Benício, o juiz Dr. Ribeiro, que morava na casa vizinha, os irmãos João Teles e Chico Teles, seu Doda Machado, Dr. Manoel de França, nas vezes que vinha do Cunhassú para presidir às reuniões da Câmara Municipal e alguns outros que me escapam à memória agora. Um dado interessante: não havia mulheres frequentadoras do banco, não que eu me lembre; se alguém lembrar de alguma que me diga. Aliás, as mulheres, senhoras ou jovens, costumavam mudar de calçada para não ter que passar na calçada do banco quando estava lotado. Não era, acredito, com medo de serem mal faladas, pois, como já disse, eram senhores respeitáveis seus frequentadores; elas costumavam, também, segurar a saia "pro mode" o vento não levantar. 
Para os palmenses já compridos nos anos, já devem estar desconfiados de qual banco estou falando e os da geração pós-banco, procurem se informar com seus pais ou familiares que, certamente, confirmarão esta minha história, pois estou falando do Banco do Jaime, um senhor tranquilo e muito cuidadoso, com o asseio de sua bodega, estava sempre com um pano na mão limpando as garrafas e o balcão. O banco ficava na calçada de sua bodega na esquina da rua de Baixo com a rua da Casa Paroquial, bem em frente à antiga loja do Vilar. Foi ali, naquela calçada, naquela banco que não existe mais, cujos frequentadores mais antigos já passaram pro andar de cima, que a história de Coreaú escreveu alguns de seus capítulos. Foram aqueles senhores que deixaram uma geração de homens e mulheres de bem que hoje orgulham a nossa terra. Hoje, fico com as lembranças e, às vezes, a saudade do meu pai vem junto com saudade de todos aqueles veneráveis senhores a quem aprendi respeitar e dos quais nunca esqueci. Se eu fosse Prefeito de Coreaú (sei que é um projeto caro), faria uma escultura em bronze do Banco do Jaime, com a estátua de Jaime sentada nele, ao molde do que há no Rio com o poeta Carlos Drummond de Andrade. Afinal, a história de uma sociedade, de uma cidade se eterniza pelas gerações seguintes, homenageando-se e preservando-se a memória de seus construtores. Declararia o Banco do Jaime patrimônio histórico e cultural de Coreaú.

Mardone França
Membro-honorário da APL

sábado, 4 de outubro de 2014

"BENÇA", PAI?!

Meu avô era fazendeiro, tinha uma família numerosa, sendo duas moças e quatro rapazes, a fazenda dele ficava distante da cidade onde ele sempre ia vender os legumes ou animais, como também comprar outros produtos que só tinham na cidade. A negociação de compra e venda era feita na feira do município, que era realizada nos dias de sábado pela manhã. Meus tios passavam a semana na labuta, mas nos finais de semana iam pros forrós. Meu avô sempre programava sua ida à feira numa noite de luar porque os caminhos ficavam mais claros, pois eram veredas estreitas entre os garranchos da caatinga. Numa dessas idas à feira, meu avô marcou a viagem na mesma data de uma festa que iria acontecer lá pela vizinhança da fazenda e que meus tios iriam com certeza. Noite cedo, eles seguiram para o tal forró, mas meu avô resolveu sair na madrugada, que era para amanhecer o dia já lá na feira. Montou seu cavalo e viajou aproveitando ainda o clarão da lua, seguiu pelo caminho de terra que atravessava o leito seco de um rio, ao lado do qual havia várias oiticicas de copa grande, que deixavam o local bem escuro. Corria um boato que nesse local sempre aparecia uma visagem, mas meu avô era corajoso e tocou a caminhada em frente. Na festa, um dos meus tios não estava se sentindo bem da barriga e resolveu voltar mais cedo pra casa. Quando chegou no local da assombração, teve que atender uma necessidade fisiológica e foi pra debaixo da oiticica. Como naquele tempo toda vez que um filho ficava na presença do pai tinha que tomar a benção, aconteceu que meu avô apareceu no caminho justo nesse momento, tendo meu tio o avistado, mas ele não; então, lá do meio da escuridão, meu tio disse:  "Bença", pai?! Nessa hora, segundo me contaram, até o cavalo tomou um susto e jogou meu avô no chão, que, ao se levantar, disse:  Isso é hora de tomar bênção? Tu mereces é levar umas chibatadas! Quase que me matou de susto, seu filho de uma... 

Memórias de Dr.ª Maria Selva