Nas décadas de 60 e 70 vi muita coisa e minha memória guarda muitas delas. Algumas ligadas a doloroso sofrimento. Outras nem tanto! Como meu pai era um misto de agricultor, pecuarista, comerciante, amansador de burro, proprietário de terras e comboieiro, enquanto ele quebrava cabeça com tanta coisa, eu ia aprendendo, à moda Camões... Por conta disso, ficaram marcadas na minha cabeça a imagem dos homens sentados embaixo de árvores ou em algum oitão de casa, deixando o sol quebrar, comendo e dando milho aos burros e jumentos. Depois do de comer, homens e animais bebiam água feito arco-íris. Os primeiros, nas casas ou em seu cantis, os jegues e burros, no açude. Entre esses tocadores de animais existia também os do Araquém. Alguns vendiam roscas feitas de goma de mandioca. Levavam-nas pro Arapá, pra Frecheirinha, pro Mucambo,... Eu ficava bestificado em saber que aquelas iguarias não se espatifavam no chão, virando comida pros balecos!
Os foiceiros, derrubadores de palha de carnaúba, também me encantavam. Destemidos, durões e contadores de lorota. Os vaqueiros também eram figuras marcantes. Sempre contando histórias. Nunca perdendo pros touros. Sempre achando-se melhor do que os outros. Sempre contando vantagem. Mais os enxadeiros eram quem mais me chamavam a atenção! Principalmente aqueles que me ajudavam nas funções do meu pai, me permitindo um "feriado". Um deles comia feito bicho. Ou, como ele mesmo dizia, "como um condenado!". O feriado, você sabe, é aquela clareira que aparece no meio do mato a ser derrubado, nos permitindo uma folguinha nos cortes... Milhã a menos, jitirana que não nos perturbavam as pernas! São lembranças dos tempos em que a gente vestia calça curta, mas tinha o sofrimento longo! Minorado um pouco pelo leite mungido na porteira do curral e pela pratada de coalhada no início da noite. Mas, como diria Fernando Pessoa, o bardo português, "tudo vale à pena, se a alma não é pequena!"
João Teles de Aguiar - Professor e membro da APL
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