Sob este céu
Sob estas nuvens
Meus primeiros dias
Meus primeiros passos
Primeiros amigos
Primeiros olhares
Primeiros beijos
Primeiras paixões
Primeiras ilusões
Primeiras desilusões
Sob este céu
Sob estas nuvens
Onde o luar tinha mais luz
O vento assobiava em forma de canção
Minha casa a um passo de tudo
Meu mundo a alguns passos do nada
Em torno de um vale que me valia tanto
O pouco que tinha era o bastante para o que eu queria
Um banco na praça onde nossos velhos enfeitavam suas estórias
O Grupo Escolar que a professorinha nos davam prova com cheiro de álcool do mimeógrafo
Depois da aula podíamos escolher em que açude ou córrego se divertir
O sol a pino não era obstáculo era apenas um detalhe do cenário
Se sentia calor? não sei estávamos muito ocupados com nossas brincadeiras
Mas existia algo em nossos caminhos que não esperávamos
O tempo, e ele não parou
De repente outros céus, outras nuvens
O mundo era maior do que eu pensava
Havia outras formas de viver
Havia outras formas de querer
Havia outras formas de amar
Tantas mudanças
Tantos passos novos
Tantas pessoas novas
Hoje não ouço o som dos pássaros
não vejo a luz daquele luar
Não paro para sentar no banco da praça para ver o tempo passar
Para que a gente cresce então?
Para saber que nossos exemplos não são para sempre
Para saber que viver é tão sério que tenho que parar de rir
Para saber que nossos dias são tão complicados que o simples deixou de existir
Então quero esquecer o tempo e mesmo que a prata pinte meus cabelos
Quero ser criança, sorrir para todos, falar com todos,
olhar os velhos álbum de família sem ter saudades
Se isso é loucura, serei então um louco feliz
Alexandre Neto
quarta-feira, 13 de dezembro de 2017
TEMPO
Passa tempo, passa tempo
Entre horas e dias
Teu destino é passar
Como nuvens que passam no céu azul para nunca mais voltar
Passa tempo, passa tempo
Deixa-me mais velho a ponto de não mais me conhecer nas velhas fotografias
Passa tempo, passa tempo
Escorre como água entre os dedos deixando as mãos lavadas de lembranças
Passa tempo, passa tempo já que teu passatempo é passar...
Alexandre Neto
Entre horas e dias
Teu destino é passar
Como nuvens que passam no céu azul para nunca mais voltar
Passa tempo, passa tempo
Deixa-me mais velho a ponto de não mais me conhecer nas velhas fotografias
Passa tempo, passa tempo
Escorre como água entre os dedos deixando as mãos lavadas de lembranças
Passa tempo, passa tempo já que teu passatempo é passar...
Alexandre Neto
sábado, 9 de dezembro de 2017
CBD...
Quando menino lá na Palma, fui protagonista de um episódio de CBD. No inverno o gado pastava à solta
nos pastos ainda livres das cercas. O inverno era tempo dos insetos dípteros, especialmente os cocliomídeos e os sarcofadígeos (depois eu explico*) agirem sobre os rebanhos. Meu pai recebeu a notícia de que uma novilha amojada estava com uma bicheira feia na anca direita e estava amoitada. Me incumbiu, então, de uma tarefa:
– Depois que você deixar os bezerros nos córregos, passa na casa do Seu Belchior Conrado (patriaca da família), que nesta hora ele já está de pé; peça pra ele curar a bicheira da novinha que está no pasto dos Altos do Lucas.
Não entendi direito se Seu Belchior Conrado, um senhor de idade, iria até os Altos pegar a novinha a muque e besuntar a bicheira de creolina. Mas nada perguntei; meu pai não era homem de muitas respostas. Mas logo imaginei a novinha, que conhecia bem, com a bicheira coberta de moscas-varejeiras e de tapurus (tá explicado*).
Encontrei Seu Belchior Conrado na sada de visita de sua casa, sentado na cadeira de balanço. Dei o recado:
– Seu Belchior, sou filho do Carneirinho. Ele mandou pedir pro senhor curar a bicheira de uma novinha nossa.
Seu Belchior levantou-se e se postou no meio da rua:
– Onde tá a novinha? Onde fica a bicheira?
Respondi conforme meu pai me havia informado.
Ele então começou o ritual da cura. Ficou de frente para os Altos do Seu Lucas, levantou o braço direito e gesticulou com a mão, balbuciando alguma reza que não ouvi bem. Fiquei aguardando o Dominus vobiscum
et cum spiritu tuo. Para qualquer reza séria, pra mim, coroinha sacramentado, tinha que ter essas palavras que ouvia todo dia na igreja e que não sabia o que significavam. Mas não teve Dominus vobiscum...
– Pronto. Diga ao Carneirinho que a novilha está curada, amanhã os tapurus já caíram todos e a bicheira tá enxuta.
Voltei e disse o recado pro meu pai. Dois dias depois a novinha apareceu junto com o gado que vinha todo dia pra rua, sarada. Papai mandou eu agradece ao seu Belchior Conrado a cura milagrosa. Foi assim que presenciei minha primeira Cura de Bicheira à Distância – CBD.
Hoje, pensando bem, aquela novilha tinha um eficiente sistema de defesas orgânicas.
Mardone França
UMA GOIABA DE PÉ
Era no ano de 1958, lembro-me que meu avô Major Torres falou que fora um ano de seca (como chamamos aqui no Ceará quando chove pouco) e ele saiu para caçar pomba de bando, hoje mais conhecida como avoante, no pé da serra do Ipu (época em que era permitida a caça).
Saiu cedo com a intenção de chegar com tempo para no almoço saborear os animais abatidos. Conhecedor da região, se dirigiu para o local chamado Espraiado, distante légua e meia, mas onde existia um pequeno açude e onde era comum encontrar as aves na bebida. Durante o trajeto, ele ia sempre atento com a espingarda socadeira já no ponto de disparar, caso encontrasse alguma caça. Para a sua frustação, ele não viu nem um calango durante o trajeto percorrido. Chegando no local escolhido, no pequeno açude ou barreiro, como chamavam, tratou de fazer uma tocaia e se entocou nela, só com o cano da espingarda de fora, e ficou à espera dos animais baixarem. Passado certo tempo, aparecera apenas um sibite, um pássaro tão pequeno que não compensava desperdiçar um tiro, mesmo assim ele continuou de tocaia. Finalmente baixou um bando de aproximadamente quinze avoantes, quando ele resolveu disparar. Apertou o gatilho, mas, para o seu infortúnio, naquele exato momento, passou um gavião carcará e assustou as aves que levantaram voo e ele errou o tiro.
Como já estava com fome, resolveu comer duas das três goiabas que ele tinha levado no seu patuá. Após merendar, quando foi pegar a munição, descobriu que não tinha mais as esferinhas de chumbo e desanimado teve que retornar para casa. Já na metade do caminho percebeu a sua direita um veado distraído comendo algumas vagens de jucá caídas no chão. Sem perder tempo, apontou firmemente a espingarda, mas lembrou-se que estava descarregada. Caçador nato como ele era, não queria perder essa oportunidade. Foi aí que teve uma ideia para resolver a falta de munição. Lembrou da goiaba que trazia e começou a comê-la separando as sementes para depois usá-las na espingarda como munição. Usou um carrego maior de pólvora para ver se compensava o chumbo diferente e abatesse o animal. Mirou bem no meio da testa do veado e atirou. Subiu aquela nuvem de fumaça – socadeira já solta muita fumaça e com carrego de pólvora extra então! –, e ele não viu se acertara a caça. Ao se dirigir para o local onde estava o bicho, não encontrou um pelo sequer. Riu-se por um instante da ideia maluca que tivera e continuou a caminhada para casa.
Devido ao verão rigoroso, a família de meu avô mudou-se para um sítio na serra, encerrando assim as suas caçadas nesse verão. No ano seguinte, de volta ao sertão, na época que estavam chegando as avoantes na região do Espraiado, o Major Torres, como de costume, já estava preparado para caçar. Seguiu o mesmo ritual, só que teve o cuidado de conferir a munição que ia levar para não voltar de patuá vazio. Nesse dia tudo deu certo e ele já contava com vinte avoantes abatidas quando resolveu voltar.
Durante o percurso, parou na sombra de um Juazeiro para comer e matar a sede. Foi então que percebeu a uma certa distância a sua frente um arbusto se mexendo e ficou observando. Para seu espanto o arbusto começou a sair do lugar como se estivesse andando. Arrepiou-se e rapidamente benzeu-se pensando ser assombração. Criou coragem e foi sorrateiramente em direção da coisa para ver o que era. Quando estava mais perto, o arbusto saiu para uma clareira e ele pôde ver que o dito cujo era o veado que ele tinha atirado com chumbo de goiaba no ano anterior com um tiro certeiro na testa do animal, que não o matara, mas fez nascer um pé de goiaba na sua cabeça. O animal então percebeu a presença do Major, balançou a cabeça fazendo cair algumas goiabas e partiu correndo feito uma flecha para dentro da mata. Meu avô pegou as frutas deixadas pelo veado, que, segundo ele, eram doces como mel e foi embora. Durante os anos seguintes, em suas andanças e caçadas, ele nunca mais viu a goiaba com pé.
Cláudio César
P.S.: Baseado nas estórias do meu avô, Major Torres, e nas aventuras do Barão de Münchausen.
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