sábado, 9 de dezembro de 2017

UMA GOIABA DE PÉ

Era no ano de 1958, lembro-me que meu avô Major Torres falou que fora um ano de seca (como chamamos aqui no Ceará quando chove pouco) e ele saiu para caçar pomba de bando, hoje mais conhecida como avoante, no pé da serra do Ipu (época em que era permitida a caça). 
Saiu cedo com a intenção de chegar com tempo para no almoço saborear os animais abatidos. Conhecedor da região, se dirigiu para o local chamado Espraiado, distante légua e meia, mas onde existia um pequeno açude e onde era comum encontrar as aves na bebida. Durante o trajeto, ele ia sempre atento com a espingarda socadeira já no ponto de disparar, caso encontrasse alguma caça. Para a sua frustação, ele não viu nem um calango durante o trajeto percorrido. Chegando no local escolhido, no pequeno açude ou barreiro, como chamavam, tratou de fazer uma tocaia e se entocou nela, só com o cano da espingarda de fora, e ficou à espera dos animais baixarem. Passado certo tempo, aparecera apenas um sibite, um pássaro tão pequeno que não compensava desperdiçar um tiro, mesmo assim ele continuou de tocaia. Finalmente baixou um bando de aproximadamente quinze avoantes, quando ele resolveu disparar. Apertou o gatilho, mas, para o seu infortúnio, naquele exato momento, passou um gavião carcará e assustou as aves que levantaram voo e ele errou o tiro. 
Como já estava com fome, resolveu comer duas das três goiabas que ele tinha levado no seu patuá. Após merendar, quando foi pegar a munição, descobriu que não tinha mais as esferinhas de chumbo e desanimado teve que retornar para casa. Já na metade do caminho percebeu a sua direita um veado distraído comendo algumas vagens de jucá caídas no chão. Sem perder tempo, apontou firmemente a espingarda, mas lembrou-se que estava descarregada. Caçador nato como ele era, não queria perder essa oportunidade. Foi aí que teve uma ideia para resolver a falta de munição. Lembrou da goiaba que trazia e começou a comê-la separando as sementes para depois usá-las na espingarda como munição. Usou um carrego maior de pólvora para ver se compensava o chumbo diferente e abatesse o animal. Mirou bem no meio da testa do veado e atirou. Subiu aquela nuvem de fumaça – socadeira já solta muita fumaça e com carrego de pólvora extra então! –, e ele não viu se acertara a caça. Ao se dirigir para o local onde estava o bicho, não encontrou um pelo sequer. Riu-se por um instante da ideia maluca que tivera e continuou a caminhada para casa. 
Devido ao verão rigoroso, a família de meu avô mudou-se para um sítio na serra, encerrando assim as suas caçadas nesse verão. No ano seguinte, de volta ao sertão, na época que estavam chegando as avoantes na região do Espraiado, o Major Torres, como de costume, já estava preparado para caçar. Seguiu o mesmo ritual, só que teve o cuidado de conferir a munição que ia levar para não voltar de patuá vazio. Nesse dia tudo deu certo e ele já contava com vinte avoantes abatidas quando resolveu voltar. 
Durante o percurso, parou na sombra de um Juazeiro para comer e matar a sede. Foi então que percebeu a uma certa distância a sua frente um arbusto se mexendo e ficou observando. Para seu espanto o arbusto começou a sair do lugar como se estivesse andando. Arrepiou-se e rapidamente benzeu-se pensando ser assombração. Criou coragem e foi sorrateiramente em direção da coisa para ver o que era. Quando estava mais perto, o arbusto saiu para uma clareira e ele pôde ver que o dito cujo era o veado que ele tinha atirado com chumbo de goiaba no ano anterior com um tiro certeiro na testa do animal, que não o matara, mas fez nascer um pé de goiaba na sua cabeça. O animal então percebeu a presença do Major, balançou a cabeça fazendo cair algumas goiabas e partiu correndo feito uma flecha para dentro da mata. Meu avô pegou as frutas deixadas pelo veado, que, segundo ele, eram doces como mel e foi embora. Durante os anos seguintes, em suas andanças e caçadas, ele nunca mais viu a goiaba com pé. 

Cláudio César 

P.S.: Baseado nas estórias do meu avô, Major Torres, e nas aventuras do Barão de Münchausen.

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