terça-feira, 16 de julho de 2013

ARRIVEDERCI ITALIA!

Quando iniciamos o curso de italiano, prometemos que visitaríamos a "Velha Bota" ao final do curso, cuja duração seria de três anos e meio. Mais de dez anos depois, finalmente, a promessa foi cumprida. Auri, minha amada companheira, também fez todo o curso comigo e estava ávida para por em práticas algumas noções da língua de Dante. João Pedro, nosso filho, com cinco anos e meio de idade e muitas milhas percorridas, estava preparado para uma viagem de fôlego à Itália e especialmente curioso para conhecer o jardim zoológico de Roma. 

Depois de uma rápida conexão em Lisboa, chegamos a Roma, num agradável verão de sol que clareava das cinco da manhã às dez da noite, algo demasiado estranho para quem habita próximo ao equador. A exuberância majestosa da "cidade eterna" surpreendeu-me. A despeito da crise econômica que assola alguns países da zona do euro, inclusive a Itália, Roma não nos revelou disparidades sociais consideráveis. A cidade segue imponente seu curso às margens do Tibre, bela, limpa e organizada, preservando seu enorme patrimônio histórico e artístico numa perfeita simbiose com os novos elementos da modernidade. 

Nas ruas centrais da cidade, os poucos pedintes pareciam imigrantes. No mercado informal, predominam os asiáticos, especialmente indianos e bengalis, e africanos subsaarianos. A alta taxa de desemprego no país parece não ter feito os italianos apelarem para o subemprego... 

Dado que a cidade estava repleta de turistas do mundo inteiro, com filas enormes em todas suas atrações, não havia como deter o passo em alguma especificamente. O jeito era dar uma vista d'olhos superficial naquelas que fosse possível visitar. No dia seguinte ao "city tour", finalizado no charmoso bairro de Trastevere, fomos ao Vaticano, conhecer a Praça de São Pedro, os seus museus e a Capela Sistina, inegavelmente um dos maiores patrimônios histórico-culturais da humanidade, independentemente do pendor religioso. No outro dia, ao meio-dia, comparecemos ao Angelus, com o papa Francisco, e depois fomos ao Bioparco, o jardim zoológico da cidade, para uma programação infantil para o João Pedro, e, no final do dia, à fantástica Fontana di Trevi, jogar uma moeda e fazer um pedido, como manda a tradição. 

Na segunda-feira partimos de ônibus para uma maratona de cinco dias pelo centro-norte do país. Nos campos férteis e densamente habitados do rico interior italiano, muito cultivo de girassóis e de tantas outras culturas agrícolas. Cruzamos planícies, vales, o final dos Alpes e os Apeninos. Em cada colina, um casarão simpático no centro de um terreiro largo pontilhado de enormes rolos de feno; em cada curva, um povoado aconchegante encravado no alto das montanhas, algumas vezes ainda cercado por muros medievais. Paisagens definitivamente encantadoras. A primeira parada foi em Florença, cidade berço do Renascimento, movimento cultural que representou a redescoberta do homem e do mundo; capital da Toscana, região cujo dialeto (o fiorentino) resultou na língua italiana moderna; terra de Dante Alighieri, de Leonardo da Vinci e de Michelangelo... Uma cidade que respira cultura, que abriga o Duomo (catedral, em italiano), a mais impressionante obra de arte que os meus olhos já viram; a Ponte Vecchio, sobre o rio Arno, a única que resistiu aos bombardeios alemães da 2.ª Guerra Mundial; muitos museus, um centro histórico exuberante, dentre inúmeras outras atrações, como a famosa estátua de Davi, de Michelangelo. 

No dia seguinte, rumamos para Nice, no sul da França, passando por Pisa, com sua torre inclinada, um colossal campanário em estilo românico, convertido num dos símbolos da Itália, e parando para o almoço na pitoresca Santa Margherita Ligure, às margens do Mediterrâneo, na Riviera Italiana, próxima à grande e desajeitada Gênova (possível terra natal de Colombo). A região litorânea de Ligure é de uma beleza estonteante, muito embora o mar mais pareça um grande açude sem ondas e a praia seja formada por um cascalho afiado que pode até ferir a sola de pés descuidados. Passamos horas depois por Mônico, pelo Casino de Monte Carlo, pelo túnel por onde passa a corrida de Fórmula 1, por algumas lojas de etiquetas afamadas, cujos clientes forcejam por ostentar muito luxo, riqueza e arrogância, imaginando-se a crème de la crème da raça humana. A singular elegância do Principado de Mônaco de certo modo acaba ofuscada pela empáfia de muitos de seus personagens (ricos, inconsequentes e indiferentes), um autêntico insulto à miséria que grassa mundo afora.

Chegamos a Nice já a altas horas, exaustos e famintos, mas, como os restaurantes já haviam fechado as portas, tivemos que nos conformar só com sucos e biscoitos. Acordamos bem cedo na terra natal de Garibaldi (à época incorporada ao reino da Sardenha), recusamos a caminhada na Promenade des Anglais e seguimos, ainda sonolentos, para uma visita a uma fábrica de perfume nos arredores. 

A próxima parada seria Veneza, no Mar Adriático, do outro lado da "Velha Bota", depois de muitas horas de estrada. Antes de chegar à Sereníssima, tangenciamos a cidade de Verona, cenário principal da peça Romeu e Julieta, de Shakespeare. 

Veneza é uma maravilha da humanidade, uma joia singular permeada por uma aura misteriosa de puro romantismo. Os canais estreitos, o casario monumental, a Praça de São Marcos, as catedrais góticas, as gôndolas, os cristais de Murano, as máscaras do famoso carnaval, a luta permanente do engenho e da arte humana para resistir à força poderosa da natureza... Veneza é, enfim, uma cidade mágica, que nos comove e arrepia. Todo ser humano deveria ter o direito de ir ao menos uma vez na vida em Veneza, de passear de gôndola em seus canais, ao som de "'O sole mio", de caminhar por suas pontes, de contemplar o seu pôr do sol... 

Tivemos que deixar La Sereníssima para ir a Roma. No caminho, uma parada em Ravena, para visitar o túmulo de Dante Alighieri, o maior de todos os poetas, autor da Divina Comédia, e outra em Assis, terra de São Francisco, para pagar uma antiga promessa e para tocar na "luce che illuminava il mondo". Num intervalo de menos de três horas, toquei em Dante Alighieri e em Francisco de Assis. Não consegui acreditar, nem conter a emoção. Assis é uma terra santa, onde paira uma forte aura de paz e de amor. Não há como tocar no túmulo do maior de todos os santos e seguir de olhos enxutos. Salve, ó Francisco! Grazie per tutto! 

Novamente em Roma, no dia seguinte fomos ao Coliseu, exuberante e famigerado Amphitheatrum Flavium, palco central da política do panis et circences da Roma antiga, cujos espetáculos resultaram no sacrifício de mais de um milhão de pessoas. Do lado, o Arco de Constantino e as ruínas do Fórum Romano, resquícios da grande civilização antiga que nos fez aprender muito do que atualmente sabemos. 

Os dez dias de Itália deixariam saudade e um aprendizado inesquecível. No geral, os italianos foram educados, solícitos e até simpáticos, malgrado o que comumente se fala. Talvez saber um pouco do idioma tenha ajudado. A resistência do João Pedro surpreendeu a todos. Na excursão pelo interior da península, era a única criança no ônibus e, ainda assim, portou-se melhor do que muitos adultos. Não comeu tanto, mas o suficiente para suportar os dez dias de maratona, bebendo muita spremuta di arancia (suco de laranja). Comemos bastante massa (realmente o italiano come pasta no café da manhã, no almoço e no jantar), tomamos uns bons vinhos, algumas birras (cervejas) e muita spremuta di frutta. Compramos muitas lembranças, algo de Dante, Petrarca e Boccaccio no original, alguns agrados para Auri, que deu aula de organização; outros para João Pedro, pelo comportamento irrepreensível, só não encontramos algum livro de Bobbio e de Del Vecchio, mas tudo bem, fica para a próxima! 

Arrivederci Italia!


Eliton Meneses
Membro da APL

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