quarta-feira, 3 de abril de 2013

Me fales um pouco e te direis quem tu és

Há algum tempo atrás escrevi um artigo sobre o modo de falar do povo coreauense. A motivação para escrevê-lo partiu de exemplares de fala que costumava ouvir de meus conterrâneos e várias vezes flagrava-me usando as mesmas expressões, porque a língua está no sangue da gente. Senti-me atraída por esse jeito gostoso e poético de falar, típico do cearense e fortemente presente no dialeto local.

Sou particularmente aficicionada pela linguística e me encanta a poesia modernista porque reconhece na linguagem popular as belezas do nosso idioma. Tão bem cantou o poeta Manuel Bandeira quando escreveu: “Língua certa do povo / Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil”.

Assim, colecionei algumas ocorrências de fala do coreauense, que sendo da cidade ou do campo (em essência somos todos rurais), utiliza renitentemente tais expressões. Várias delas encontram-se registradas no “Orélio Cearense”, uma publicação que compila inúmeras palavras do linguajar cearense. E é natural que algumas das ocorrências linguísticas aqui abordadas mantenham pontos de contato com o dialeto cearense, pois a cearensidade é parte de cada um de nós.

Como uma cidade de pequeno porte, Coreaú não possui uma atividade industrial intensa e, por conseguinte, as oportunidades de emprego no lugar são ínfimas, o que determina a coexistência de dois processos migratórios: um externo – os habitantes, em sua maioria, jovens, saem do município em direção a centros urbanos que lhes garantam chances de trabalho; e outro, interno – os rurícolas deslocam-se para a cidade em busca de uma vida mais confortável, que não seja tão “dificultosa” como eles mesmos dizem.

O êxodo rural, que tem se intensificado nos últimos anos, foi ao longo do tempo constituindo a sociedade urbana coreauense. A maior parte da população jovem que mora na cidade tem entre os seus ascendentes (pais ou avós), pessoas com “raízes” rurais. Esse deslocamento do campo para a cidade, comum também em outras localidades, trouxe consigo muito da cultura e da língua praticadas no campo. Os rurícolas, por seu turno, tentaram assimilar alguns costumes típicos da urbe que ora passavam a habitar e, por outro lado, influenciaram-na com sua cultura, sua língua, seu modus vivendi.

Os exemplos analisados a seguir pertencem, pois, ao dialeto inculto, ou semiculto do falante coreauense, resultante de variações da norma culta atual. Eis abaixo alguns exemplos: 1) palavras como leblina e lutrido ao invés de neblina, nutrido; 2) o acréscimo do a no inicio da palavra azunhar, alevantar, atrepar, avoar, avexame, alimpar entre inúmeros outros exemplos; 3) os termos espertar, escadeirado, istruir e istruição bastante usados na linguagem corrente local sofreram perda de fonema; 4) palavras como dificulidade, fulô, difuluço são utilizadas em substituição a dificuldade, flor e defluxo; 5) é corrente o uso de cósca, córgo, fósco, landra, musga em referência a cócegas, córrego, fósforo, glândula, música.

Outras ocorrências são perceptíveis no uso de expressões como agarrar no sono (dormir), botar boneco (promover briga ou desordem), dar o prego (ficar com defeito), pé de pau (árvore), quando acabar (depois), rebolar no mato (jogar no lixo), só quer é ser (orgulhosa), umas poucas de vez (várias vezes).

Os saberes culturais da população coreauense, como de qualquer outro povo, não se manifestam apenas na língua, mas estão presentes nas crenças populares, nas danças, nas rezas etc... É um aspecto de nossa identidade que merece nota, com vias de preservar esse legado e valorizar nossas tradições.

Anatália Carvalho A. Portela
Membro de APL

Um comentário:

  1. É isso aí caríssima colega e agora imortal da Academia Palmense de Letras Anatalhia. Apesar da necessidade de sermos formais em grande parte do tempo principalmente em nossas atividades profissionais, o linguajar caboclo, ficaria aqui mió era mesmo cabôco, se faz necessário quando nos relacionamos no banco da praça, nos encontros casuais pelas ruas... Afinal, ouvir de um amigo ou mesmo admirador um "como está minha fulô?, um "oi minha fulô" e no meu caso apesar de nunca ter sido tratado assim acho muito charmoso e poético e gostaria que alguém assim se dirigisse a mim nos termos, "como vai cabôco véi?" Isso é por demais hum tratamento informal e que dá um tom de boa relação pessoal e intimidades. Coisas que somente um grupo de pessoas saudávéis em suas relações pessoais e amigo pode usufruir..

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