sábado, 31 de maio de 2014

RETROVISOR

Coreaú, Ce, 31 de maio de 2014 d.C 

Na bucólica urbe de tempos decadente, acordei hoje para uma visita a um amigo. Tião. Quero ver como se encontra o guerreiro neste trinta e um de maio, o mês de Maria, a mãe de todos nós inclusive dele também. Novamente o encontro de olhar fixo no horizonte west. Parado, nada falo, e ao seu lado sento tranquilamente para observar aquele momento de meditação.
Calado ele permanece. Como se não notasse minha presença, alí fica por momentos. Novamente uma lágrima... Ah... aquela lágrima constante. Talvez represada durante tempos. Séculos talvez... Em silêncio permaneço e solidário, mais uma vez também deixo rolar... Uma lágrima...

Minutos se passam... A claridade da luz proveniente do astro rei sobre o palco da vida nesta manhã de esperança e sonhos onde mais um ato da peça retrovisor se desenrola, torna o cenário magico. Indescritível... 

Mansamente Tião quebra o silêncio do ambiente e começa a relatar lembranças e feitos d'outrora ao lado da sua única, verdadeira e eterna Fulô... Ah! Que lembranças! Como se despido do véu da materialidade, sua visão se transporta para a linha do tempo e corre épocas e épocas na história da humanidade para reviver os áureos momentos da vida com único, verdadeiro e eterno amor.

Roma, ano 80 dC. O invencivel pretoriano Tibias chega à sua instancia de repouso para o descanço de mais uma jornada de conquistas. Florentia, linda e rubra como sempre corre até o terraço e recebe seu amor com um abraço dos deuses. Apertado... Repôe as energias do bravo combatente com um doce beijo. Sedento e cansado das lutas ele descansa a sua merecida temporada nos braços de sua estimada e fiel companheira. Mas a posição politica e profissional o reclama às trincheiras da vida e em breve ele retorna à sede do império para servir aos interesses de Titus Vespasianus. É neste momento que Tião afrouxa mais um pouco e aumenta a vazão do canal lacrimal para fazer jorrar sobre o rosto não uma, mas um rio de lágrimas... Ficar longe de Fulô era a mais árdua e difícil batalha... 

As lutas terrenas por fim levam Tibias à pátria espiritual quando já não tão forte como outrora és vencido por jovem guerreiro oponente em mais uma batalha injustificada do império conquistador.

Em breve tempos Fulô também retornaria. E juntos novamente correm de braços dados pelos indescritíveis champs élysées. Desta vez, sem as vestimentas carnais. Unidos pel'alma eles alí passam a ter noção da condição de almas gêmeas que a posteridade lhes iria oferecer em sucessivas jornadas no porvir... E foram muitas... E como os débitos eram enormes havia urgência do retorno.

Roma, ano 130 dC. Ratificando a infinita misericórdia Divina eis que o nosso casal de protagonistas retorna ao exílio terreno, desta vez, não na condição de nobres mas sim como servos da nobreza. A providência superior em sua bondade imensa os tira das inglórias e bárbaras lutas movidas pelo egoísmo humano para os colocar sob a pele de humildes escravos no palácio do grande humanista e governador da época Publios Hadrianus. Não havia mais belo cenário para o novo capítulo da vida material de Titão e Fulô, que naqueles remotos tempos eram nada mais nada menos que os servos Tigus e Fulvia. Sem direito a externalizar a atração que os unia, os dois passam a vivenciar às escondidas nos sombrios corredores do palácio as mais calorosas noite de amor. Atraído pela beleza indescritível de Fulvia, membro inescrupuloso da guarda imperial começa a tentar a bela serva que lhe nega firmemente o mínimo olhar discreto. Diante da relutância, um dia na calada da noite quando Fulvia se dirigia a mais um encontro com Tigus o repugnante guardião ataca a indefesa escrava. Tigus que se aproxima entra em luta corporal com o mesmo, tombando agonizante sob o fio da espada de impiedoso guardião. Para não reviver os sentimentos negativos após o trágico acontecimento, Tião não me relata o que acontecera a Fulvia após o trágico incidente, apenas disse tê-la em pouco tempo recebido na dimensão espiritual a companheira de lutas e glórias...

E mais e mais vezes sempre juntos eles alternaram entre o exílio terreno e a vida na pátria espiritual. Sempre de mãos dadas. Por muitos séculos os mesmos adentraram rumo ao futuro. De nobres a escravos, passando por senhores feudais, até mesmo por religiosos vivenciando encontros furtivos na calada da noite nossos protagonistas caminharam lapidando a alma sedenta por evolução e amor até chegarem à época presente. Época esta que Tião reluta em me descrever, mas que usando de confiança extrema depositada em amigo de longas datas ele me confidencia fragmentos deste ato presente nesta peça cujo enredo denuncia, amor... amor... amor... Somente amor... Ah... Como se não bastasse... Obstáculos... Inúmeros obstáculos...

Brasil, terra do Cruzeiro, segunda metade do século XX d.C. Para poupar figurantes deste enredo, Tião pede reservas quando à precisão de datas e a geografia do lugar, mas deixa a entender que o nosso casal de protagonistas retornara ao exílio em datas e locais muito próximos. Novamente denuncia a extreita ligação familiar e pessoal entre ambos. Desde pequenos infantes a atração era inegável entre eles. Promessas familiares de seus genitores quanto à união dos mesmos até fora feita quando dos momentos sociais onde os mesmo se faziam presentes... Bonito não? Ensaiaram tudo isso na juventude. A troca de energia entre ambos de maneira intensa que só os mesmos compreendem os mantiveram unidos pel'alma apesar dos obstáculos traiçoeiros que o destino lhes apresentara. E é neste ato presente que a história sai do preto e branco para entrar num colorido só... De sonhos, promessas, desejos e atos... Ah... atos... atos que a hipocrisia humana condenaria sem dúvidas nenhuma... E que Tião me pede reserva. Permite apenas que eu diga.

Amor... Troca de energia... Tudo muito intensamente... Intensamente de tal forma que ninguém compreenderia... Só mesmo Tião e Fulô. 

Secando o rosto, não por que acabara a tristeza mas sim talvez o líquido salgado. Ele diz: Por hoje basta! Já sofri bastante. Amanhã reviverei... Se Deus quiser e permitir...

Tenho dito... E sempre!!!

Manuel de Jesus

CAÇA E PESCA


Zé Mago e Taboca foram pescar. Na bicicleta surrada seguiram rumo ao açude do Cunhassu. Atravessaram o rio na canoa de seu Valto, pararam um instante no regato cheio, cruzaram o açude do Meio, o campo do Raimundo Abílio, o Pereirão frondoso... Quase ao anoitecer, chegaram na porteira de seu Tarcísio. 
Bateram palmas, mas ninguém respondeu. 
– Ó de casa?! 
O único som que ouviram foi o das galinhas e dos perus no quintal. 
Seu Tarcísio, a mulher e os oito meninos tinham ido à rua para a missa da Semana Santa. 
Com a casa de apoio fechada, os pescadores não poderiam pernoitar no Cunhassu. Dormir ao relento era coisa para pescador antigo. O jeito era bater água até a lua clarear e ir embora logo em seguida. 
Armaram as redes, percorreram o açude em câmaras de ar, bateram na água com varas de pau para acuar os peixes, esperaram meia hora...
Apesar da disposição dos pescadores, a pouca experiência de ambos, o vento forte e o claro da lua tornaram a pescaria um trabalho vão. Depois de três tentativas, não conseguiram nada para além de uma curimatã e um piau miúdo. 
Refizeram desapontados seus petrechos e, já prontos para regressarem à rua, acorreu a Zé Mago a ideia de não voltar para casa com um único piau de uma empreitada tão árdua. 
Sem que Taboca percebesse, Zé pulou a cerca do quintal de seu Tarcísio e, com pouco, reapareceu com duas galinhas nas mãos. 
Acocorou-se na beira d'água, quebrou-lhes os pescoços e as despenou ali mesmo, para espanto de Taboca.
Acomodadas as aves no garajau, os amigos partiram confiantes rumo à Palma, depois de combinarem que cada um ficaria com uma galinha e um peixe. 
A viagem de regresso seguia tranquila até que os pescadores esbarraram na estrada com seu Tarcísio, que vinha com a família de volta da missa. 
– Oba, meu amigo Taboca! De onde vocês vêm? Perguntou seu Tarcísio. 
Antes de Taboca responder, Zé Mago atalhou às pressas: 
– A gente estava caçando pra cá do Araquém, seu Tarcísio. 
– Ah, e essas galinhas no cesto?! 
– Não, seu Tarcísio, são duas nambus! 
– Nambu?! Desse tamanho?! Nunca tinha visto! 
– É que são nambu zabelê, seu Tarcísio! 
Zé Mago sabia que nambu zabelê era ave de mata muito distante, mas a despista improvisada pareceu convencer seu Tarcísio, que se despediu animado e seguiu confiante sua caminhada, para alívio dos pescadores.

Eliton Meneses

terça-feira, 27 de maio de 2014

CANÇÃO DE TEIMOSO

Um poema, um verso... A fala
Abala meu jeito de te conceber.
Quando lembro dos dias que foram,
Da luta que somos,
Do véu do amanhã.
Quando digo que ainda não basta,
A força que arrasta é o meu coração.

Diz-me: não!
Não para!
Inda tem algo aqui a fazer!

Diz-me: sim!
É a hora!
Vai, consola
O que quer desistir.

E se sigo, se teimo, se tento,
É o sofrimento de ver acabar
De que escapo sonhando e fazendo
Da vida enredo por algo mudar.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

DONA TEREZINHA, MINHA PRIMEIRA PROFESSORA



No ano de 1976, eu tive a oportunidade de ser alfabetizado, informalmente, pela professora Terezinha, filha do senhor Valdemar.
Seu Valdemar, casado com dona Maria, morava em uma casa que fica na esquina da Rua dos Boeiros com a Rua Dr. Manuel de França, ali bem perto da antiga Cadeia Pública, onde funcionou a Rádio Princesa do Vale FM. Era também o pai do Otávio da dona Nega (que era o chefe da "Coletoria da cidade" – um cargo semelhante ao atual Auditor Fiscal da SEFAZ-CE), do Valtinho da Canoa, do Evangelista (comerciante) e da dona Aparecida (esposa do Domingos da Barra). 
De início, relutei em ir pela primeira vez à aula da professora Terezinha. Talvez por acanhamento ou por medo de enfrentar novas situações. Minha mãe me deu lápis, borracha e uma cartilha chamada Cartilha ABC. A professora Terezinha alfabetizava várias crianças. As aulas ocorriam no prédio onde hoje é o comércio do senhor Evangelista, na Rua Dr. Manuel de França. Ela fazia uso, quando necessário, da famosa palmatória; no entanto, nunca recebi dela os castigos da época, pois era quieto e estudioso. Minha mochila escolar era uma embalagem de plástico, de biscoito "cream-cracker" vazia. Eram muitos os colegas de classe. Eu tinha que acordar cedinho. Enquanto a professora não vinha, em frente à "casa de alfabetização", a gente ficava brincando de bila (bola de gude) ou de bola. 
Lembro-me, por demais, do amigo de sala, de apelido Xoxita, filho da dona Terta, que morava vizinho à casa do senhor Raimundo Paredão, lá na Rua do Peão. Raimundo Paredão, por seu turno, era o pai do Cabral e do Baigon. Homem trabalhador, motorista exímio, que dirigia o caminhão do seu Zeca Totonho (ou do Luiz Totonho). Sempre levava carradas e mais carradas de algodão a Sobral. Xoxita era meio esquálido, canhoto, cabelos encaracolados. Era um menino bom. Nunca mais o vi e nunca mais tive notícias dele. 
Depois de aprender a ler e a escrever, bem como de realizar algumas "contas" de matemática, principalmente cálculos de tabuada, a criançada era considerada apta e ingressava na escola formal. Comigo deu bom. O meu processo de alfabetização foi tão rápido, mas tão ligeiro mesmo, que meus pais me matricularam logo no "Grupo Vilebaldo", na 2.ª série inicial, ou seja, sem a necessidade de fazer a 1.ª série.
Foi, então, graças à professora Terezinha do senhor Valdemar que eu, menino tímido e retraído, ingressei no mundo da leitura, do saber escolar. Concluí o 1.º Grau todinho no Grupo (Escola Vilebaldo Aguiar). Minha farda era um par de tênis, tipo conga, meia branca, calça comprida azul e camisa de tecido branca com o logotipo da escola. 
Terminado o 1.º Grau (Ensino Fundamental), estudei em seguida na Escola Normal Nossa Senhora da Piedade, de 1983 até 1986. Hoje sou professor da Escola de Ensino Médio Vilebaldo Aguiar, o antigo "Grupo", de onde, como disse, fui aluno por muito tempo. Também já lecionei na Escola Normal Nossa Senhora da Piedade, já extinta.
Quantas lembranças gostosas! Velhos tempos que não voltam mais!
Depois, eu conto mais. 

Coreaú-CE, 23 de maio de 2014.

Fernando Machado Albuquerque
Professor
Membro da APL 

quarta-feira, 21 de maio de 2014

PALAVRAS

Prefiro cometer minhas loucuras sãs
A cometer essas sãs loucuras.

A violência é normal
Numa sociedade cheia de moral.
A beleza é o padrão
E também a corrupção.

A sociedade exige perfeição,
Mas é cheia de falhas
De podridão.
Por que obedecer o padrão, então?
Se é tão bom ser exceção!

Prefiro ser uma mutação constante
Do que um normal arrogante.

Que ironia!
Só os loucos conhecem
A verdadeira alegria!

Milena Policarpo
Coreaú - CE

terça-feira, 20 de maio de 2014

AMOR DE CARNAVAL!

Para aqueles que pensam ou não acreditam que amor de carnaval não vinga ou não dá frutos, eis aí uma história interessante, uma verdadeira crônica antológica.

Eram meados da década de LXXX, em que vários acadêmicos moravam numa REU (residência de estudantes universitários). Era janeiro daquele ano, e fevereiro, mês do carnaval, estava se aproximando, quando um dos moradores perguntou a outro colega de quarto onde ele ia passar e brincar o carnaval? E o indagado respondeu que ainda não sabia e que não tinha definido o lugar ou nem sabia se ia brincar de verdade, uma vez que na sua terra natal não tem carnaval e ficar na capital não ia ter muita graça. Camocim, naquela época era muito agitado. Foi quando o colega disse para o outro, que se ele quisesse, era convidado para passar o carnaval na Serra da Ibiapaba, onde morava a sua namorada, e que já tinha uma casa alugada ou cedida e garantida pra galera ficar. Era só levar rede, lençol e roupa de frio. Pois bem. Dias depois, o convidado acabou aceitando a oferta, pegou o busão e subiu a Serra Grande (Serra do Tianguá). 

Segundo apurou na chegada, a casa, na verdade, era um casarão antigo localizado na Praça da Matriz da cidade, com uma linda igreja imponente bem à frente, colada as outras casas, como é comum no interior. Os quartos ficaram com as dondocas e familiares dos donos do novo albergue momesco. A vaga que sobrou para o turista/visitante foi a do corredor, que a noite e de madrugada corria canalizado um vento frio cortante de congelar os ossos, além de suportar os solavancos provocados por quem passava pela estreita passagem central. Mas tudo bem, isso já era esperado, pois fora preparado. Afinal de contas, tudo é festa, e além do mais, só chegava depois das quatro da manhã, após a Turma passar numa badalada cantina da cidade para tentar repor as energias antes do merecido descanso. 

No entanto, já na manhã de terça-feira de carnaval, ao sair para quebrar o tradicional desjejum em outra lanchonete, deu de cara na praça com um grande amigo da época de estágio acadêmico obrigatório da Universidade. Ele disse que é a terra da esposa e estava gostando muito do carnaval, pois era tranquilo e animado. Que a brincadeira era em família. Foi quando esse amigo convidou o visitante do corredor do casarão, dizendo que a melhor festa seria a do Ginásio de Esportes da cidade, e que ele estaria lá com a sua esposa e toda a família dela. Disse ainda que tinha uma cunhada solteira e sem namorado, prometendo apresentá-lo à moça se aceitasse o convite.

O forasteiro/turista ficou lisonjeado e agradeceu o bom e honroso convite, e disse que ia estar lá, vez que já tinha brincado os três primeiros dias no tal Ginásio e também tinha gostado muito. O Ginásio de Esportes (local da festa), nada mais era que uma grande quadra polivalente coberta, com arquibancadas no seu redor, e banheiros e cantina ao fundo. 

Passava da meia-noite, já quarta-feira de cinzas, quando os amigos se encontraram no salão de festa, e sem perder tempo para cumprir o prometido, o bom amigo dirigiu-se à mesa da família da esposa que estava toda ali reunida, e fez a apresentação formal do rapaz para todo mundo, especialmente para a cunhada. Foi quando, após as formalidades sociais e familiares, e seu convite ser aceito por ela, os dois saíram para conversar, dançar e se conhecerem melhor um ao outro. Ao final da festa o rapaz conseguiu o endereço e o telefone da garota. Ele não tinha telefone, pois naquele tempo não tinha celular, e só existia um telefone público em frente à REU e era muito bagunçado e vivia no prego. Desceu a Serra rumo à Praia na quarta de cinzas.

Pensou muito durante os três dias seguintes se telefonava ou não para a casa da cunhada do amigo (a garota da última noite de carnaval). Após refletir muito, tomou a decisão e ligou na manhã de sábado, tendo recebido autorização da moça para frequentar a residência da família naquela noite. O coração do rapaz queria sair pela boca, de tanta emoção. Ali mesmo, nesse dia, começaram a namorar. 

Na semana santa daquele ano, o rapaz retornou a mesma cidade ibiapabana para passar o feriado com sua nova namorada e família dela.

Casaram-se em Fortaleza depois de dois anos de namoro, constituíram família e são felizes até os dias atuais.

Moral da história: AMOR DE CARNAVAL nem sempre é só fumaça, também pode acontecer e permanecer para toda vida.

COSMO CARVALHO
Membro da APL

A FORÇA DO QUERER

Da saliência dos olhos
A pupila controla o foco de luz
Das profundezas do coração
Surge o brilho e a ação
Resgatando o que se escondia
Regado de emoção
Pois a luz que alumia
Renasce das cinzas do querer
Que a vida mergulhe nas ondas
Do vai e vem do prazer
Quebrando o bloqueio
Fazendo tudo valer
Renascendo das cinzas
A força do querer.
Aquilo que se quer
Pode não ser o melhor
Pode não ser o pior
Nem o mais importante
E pode até dar dó
Só não pode intimidar
E nem as asas cortar
Pois o voo que alçar
Pode chegar ao arco-íris,
Que retina achou de pintar
Vetando o preconceito
E deixando a cor mesclar.

Airla Gomes Moreira Barboza
Fortaleza 17/05/2014

terça-feira, 13 de maio de 2014

O MORIBUNDO

Os olhos lacrimejam;
As mãos tremulam;
As pernas bambeiam;
O corpo esmorece.

O pensamento enlouquece;
O nariz entope;
A garganta doe;
O pescoço endurece.

O anoitecer surge;
A solidão o abate;
O coração entristece;
A alma envelhece.

A luz acende;
O caminho se abre;
Enfim, o descanso.

Jesus Ximenes
Membro da APL

O ORGULHO, A PRESSA E O DESTINO

Eram idos do início dos anos da década de LXXX, numa bucólica e tranquila cidade do interior cearense, quando dois primos começaram a namorar. Ele, já universitário prestes a concluir o curso superior na Academia da capital. Ela, estudante normalista, e muitos sonhos na cabeça. Bonita, inteligente, personalidade forte, orgulhosa e sempre de nariz empinado. Tinha uma pele cor de jambo, uma morenidade de causar inveja a qualquer moça do lugar naquela época, e, por que não dizer, certamente provocava interesse de outros rapazes. As pessoas do bairro onde ela morava comentavam a beleza e as qualidades da moça. Naquela época era namoro de sala, na casa da família da jovem e na presença da família (pais e irmandade), inclusive com horário pra começar e terminar. Hoje essas coisas são muito diferentes, mesmo.

O namoro (sério) ia muito bem, pois ambos se "guardavam" e levavam a sério os estudos, e a paixão era oxigenada quando os "pombinhos" se reencontravam nas férias e feriados prolongados (carnaval, semana santa e festas de fim de ano), por ser emocionante e prazeroso, coisa de família tradicional mesmo, que matava literalmente a saudade e afastava a distância entre os enamorados, coisa de paixão de adolescentes.

As famílias de ambos eram relativamente grande, e a garota tinha uma irmã casada que morava em Fortaleza. No entanto, inesperadamente, numa das noites de visita de namoro, a menina meio que colocou "a faca nos peitos" do namorado e exigiu um compromisso sério e pra valer o quanto antes. O rapaz não se fez de rogado, ponderou e disse que gostava muito dela, de verdade, e que pretendia se casar com ela, informando aos seus pais, mas era preciso aguardar um pouco, dar tempo ao tempo, pois ambos ainda eram estudantes e como iriam viver e se manter se ambas as famílias eram arremediadas, de poucas posses? A menina não aceitou as razões do seu primo-namorado (e não foi porque já teria outro na fila ou a vista, não). Ela queria logo era sair da casa dos pais e ter seu próprio lar e vida própria, independente, mas o namorado ainda não tinha condições de propiciar o mínimo necessário para viverem com dignidade, vez que, como já dito, eram estudantes na época, e o Ceará e o Brasil enfrentavam grande crise econômica (inflação alta, desemprego crescente, descrença internacional, dívidas e empréstimos com o FMI, Banco Mundial, Clube de Paris etc.). 

Mas, porém, contudo, todavia, senão e no entanto, não teve jeito mesmo. A menina estava realmente decidida a mudar o quanto antes a sua vida, e pouco tempo depois de concluir o Normal, e sem conseguir emprego na sua terra natal, partiu para a capital, sendo acolhida por sua irmã. Lá arranjou emprego e conheceu novas pessoas, casou-se e tornou-se evangélica (Pastora). Quanto ao rapaz, concluiu o ensino superior na Academia e logo em seguida conheceu uma nova namorada (fora da família), em outra cidade do interior cearense, e, como o velho e sábio ditado: "quem espera por tempo ruim é lajeiro", por necessidade profissional e projeto de vida, deixou temporariamente a sua nova amada e partiu, ganhou o Brasil de meu Deus para encontrar boa acolhida (trabalho, reconhecimento, valorização, sombra e água fresca e novos amigos). Também constituiu a sua família com essa garota fora da família, que deixou o seu emprego e estudos no Ceará para seguir o seu amado esposo, reconstruindo tudo ainda melhor no novo lugar. 

Certamente o destino assim quis, e os primos, que ficaram bons amigos desde aquela época do rompimento, e mais ainda, apesar de três décadas passadas, anota o rapaz, esse mesmo destino ainda não foi capaz de possibilitar o reencontro dos primos. Não há dúvidas de que aquela cobrança foi um divisor de águas, de destinos e de vidas. 

Cosmo Carvalho
Membro da APL

domingo, 4 de maio de 2014

BONS MOMENTOS DO SERTÃO



Tentando fugir um pouco da iminente barulheira dos pancadões, que é de praxe no período da Semana Santa na cidade, debandei para o sertão, juntamente com meu filho Francisco, minha mãe Margarida e sua secretária Tereza. Céu nublado, terra molhada, vegetação exuberantemente verde, cheiro de mato e o belo cantarolar dos pássaros. Infelizmente já não temos mais a presença física do nosso querido pai, Domingos, e do irmão Antônio. Uma grande lacuna...

Não foi propriamente uma viagem de lazer, mas sim de reflexão e um pouco de trabalho, pois nossa casa é muito antiga e precisa ser preservada. Fiz pequenos reparos no piso do grande alpendre que dá uma visão bem ampla e privilegiada de toda a Serra da Meruoca até a Serra do Rosário. Enquanto isso, meu filho aproveita para jogar uma pelada no pátio com seus amigos. 

Sempre após o almoço, uma rede atada na sala ou no alpendre cai bem. Enquanto o sono não bate, vêm-me aqueles pensamentos do passado. Bons tempos aqueles em que se reunia toda família: filhos, genros, noras, netos e amigos. Papai e mamãe nos acolhiam com todo carinho e alegria. O alpendre da casa ficava repleto de cadeiras e redes, suporte ideal para uma boa prosa e uma soneca relaxante. Pelo rádio, acompanhávamos a Paixão de Cristo. Sempre seguimos os preceitos dos Dias Grandes: jejum, abstinência e oração. A criançada, inquieta e curiosa, não parava em casa, saía para desbravar os campos, tomar banho nas grotas, correr, jogar bola, andar de jumento, dentre outras peripécias. Atualmente já são adolescentes, jovens, adultos, cada um seguindo seu rumo através dos estudos. Outros nos deixaram de forma precoce.

Enfim, o sono chegou e, depois de alguns minutos, acordei com a harmoniosa sinfonia de uma chuva fina no telhado. E a vida continua, na perspectiva de que cada geração vivencie seus bons momentos no seio da família e construa valores positivos para uma sociedade mais fraterna e humana. 

Raimundo Eliano Albuquerque
Membro da APL

sábado, 3 de maio de 2014

COREAÚ, A VELHA PALMA QUERIDA

Não há como deixar de te amar
Coreaú, não há como te esquecer
Do leite mugido na porteira do curral e da gostosa palma (broa)
Que outrora encarnou seu próprio nome
Da feira aos domingos no agito do mercado
Das brincadeiras de infância
Jogo de bila e futebol de bola de meia
Do carrossel da escola e da turma da gata
Do banho na Passagem (rio Coreaú)
E na saudosa Barragem
Do Círculo Operário e Ginásio Municipal
E dos amigos e colegas da escola
Da professora que reclamava da traquinagem dos alunos na casa dos pais
Da paquera, flerte e do namoro na Praça da Matriz
Mas o vocabulário já mudou: ficar, pegar, azarar ...
Das tertúlias e das festas no Coreaú Social Clube
Do açude Velho (Chico Camilo) e do açude Novo
Do apito da macaboqueira
Anunciando tranquila a sua chegada
Da gigante e desafiadora Penanduba
Do Araquém (Santo Antônio), Ubaúna (Trapiá) e Aroeiras
Do Sítio Penedo e da Várzea Cumprida
Das festas da padroeira
Quando os filhos distantes
Reencontram em setembro seus familiares e amigos
Da sorte no caritó
Da partida para a capital
Para lutar por melhores dias
Mas a velha Palma, o nosso Coreaú
Insiste em marcar passo
Sem sair do lugar
E sem a esperança se desnudar
Por ainda não encontrar a sua verdadeira vocação
Com o desenvolvimento do seu torrão
Por ainda faltar amadurecimento político
Para as coisas acontecerem
Mas quem sabe um dia
Coreaú entre nos trilhos do desenvolvimento e do progresso
Para a alegria, orgulho e bem-estar de seu povo!

COSMO CARVALHO
Membro da APL

quinta-feira, 1 de maio de 2014

CONTRA O MEDO


Dá trabalho bastante pensar em viver,
Quando nos aparece, rendendo a vontade,
Uma força perversa que toma e invade
O momento de agora (que está por nascer).

É o medo este mal que suplanta a esperança;
E se a gente não ousa, ele castra, ele vinga.
Sua sede só cede ao quebrar-se a moringa;
Sua fome só cala se mata e se avança!

E só há um remédio dentre os que eu conheço
Que nos traga o efeito ao tentar dirimi-lo.
É o amor, caro amigo, da vida pupilo,
Que orienta, encoraja e do medo é avesso!

Benedito Gomes Rodrigues