Nos meus tempos de criança, tínhamos vida independente. Existia a confiança de nossos pais em nossas atitudes e com isto amadurecíamos mais cedo, mas nem por isso deixávamos de cometer as peraltices (danações) de crianças.
Lembro que éramos liberadas para os banhos de rio, até mesmo nas enchentes. Sempre com o horário da volta determinado, mas não lembro nem se existia alguém de relógio, e ai de nós se perdêssemos a hora. Ficaríamos dias sem permissão, para o passeio. Era este o significado do banho. Aprendíamos a nadar sozinhas e atravessávamos de um lado do rio para o outro sem sabermos o que nos esperava por lá. O medo não conhecíamos. Descobríamos frutas, talvez silvestres, não sei ao certo, sei que experimentávamos todas. Existia: o canapu (uma fruta de formato, sabor e tamanho semelhante ao tomate cereja, mas o seu aroma era mais ativo), a remela (uma folha verde com filetes finos formando uma franja ao redor e em seu interior uma espécie de geléia deliciosa e de textura endurecida), o pau do rio (formato arredondado e pequeno, quando maduro abria como o botão de uma flor formando umas pétalas minúsculas e dentro havia uma semente de cor preta. O sabor, inesquecível, ácido como o da groselha). Perto de nós, nenhum adulto para interferir em nossas ações, alertando-nos que, um daqueles frutos poderia não ser comestível. Existia a presença de adultos, mas lavavam roupa e nem davam conta dos fatos. E tudo dava certo! Então, retornávamos todas juntas. Esse feito acontecia no rio do Cemitério. No mesmo rio, na época das enchentes, uma forte correnteza apressava a passagem das águas. Ainda assim, não deixávamos de atravessar o rio. Lembro que para voltar, subíamos nas árvores e pulávamos na água. Com a força dela, chegávamos à margem quase na curva do rio, um local perigoso, porque a água na descida parecia dobrar a velocidade. Era a nossa sábia suposição.
No rio do Socavão, na escassez das chuvas o nível da água baixava e no meio do rio, formava um espaço de terra. Nadávamos até lá e ali ficávamos sentadas conversando, ou brincando. A ausência do medo nos permitia cometer insanidades. Por exemplo: eu levava a minha irmã mais nova comigo, para não deixá-la sozinha. Como a minha irmã não sabia nadar, eu pedia que ela colocasse as mãos sobre os meus ombros e não fizesse nenhuma força e assim eu a levava e a trazia. Hoje fico atordoada lembrando nossas atitudes destemidas. Nossos pais não sabiam de nada e como se não bastasse, ainda tinham os pulos mortais. As meninas davam uma distância, corriam e pulavam na água, girando, de uma alta ribanceira. Para esse feito, jamais, ousei.
Sei, que a leitura desse texto fará com que muitos leitores se reportem para esta época e lembrem dos nossos inesquecíveis e bem vividos dias, em Coreaú.
Airla Gomes M. Barboza
Quanta lembrança do outrora caudaloso rio Coreaú, que, na parede da memória, é o quadro que dói mais! Grande texto, Airla! Me fez sentir o cheiro da remela, o gosto acre do pau-do-rio e o papoco do canapum!
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