segunda-feira, 3 de março de 2014

SOL DE JANEIRO

Chamo-me Francisco, João, José e Manoel. Queimado pelo sol e calejado pelos dias. Meu barro de homem foi cozido na peleja. Calado. Circunspecto. Suado. O sol tine a pino. Trepida o ar na roça queimada. Enxada. Meio-dia, chega a boia. Paro. Espio em volta. Prostro-me à sombra. Assombra-me a perspectiva de não chover. Consola-me a fé em Deus. Afligi-me a fome. Lembro de Maria, Conceição e Aparecida. Vem-me à verve também Pedro, meu pai, morreu tão novo. Morreu tão novo... Nem o vi naquele dia. Estava pro Sul! [iludido] Ilusão é uma palavra sem sentido. Prefiro conversar com a terra. Ela me responde da melhor forma possível:

- Empresto-te a vida [com juros]!

Ao que eu retruco, como sempre, com um “sim” encabulado. E olho ao lado o horizonte. Límpido. Azul. Nem uma única nuvem. E uma rajada de vento me cega temporariamente. Uma mensagem? Traduzi-a como:

- Não temas. Se temeres é pior!

E essas conversas solitárias com a terra, o sertão, a fome, o medo, as lembranças das quais me escondo, tudo junto comigo, na minha união em sina com tantos outros homens... Delas pude ver o que há por trás do silêncio, do mim-ensimesmado. Vi que sou pó. E naqueles janeiros ensolarados, pós-seca, soube o que os doutores negam, enfeitam, romantizam. Soube a crueza de homem-morte-e-vida. Ultrapassei o além da dor. E senti que a minha fé é meu único sustentáculo.

Benedito Rodrigues
Membro da APL

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