sexta-feira, 31 de maio de 2013

GOIABA

- Chore não! Já é tempo de mudar... – repetiu a si mesmo insistentemente um dia inteiro, sob o martírio da dor de cabeça.

A dor lancinante era fruto de uma preocupação que lhe corroía; perdera o emprego e a vontade de seguir adiante. Àquelas horas, restava-lhe pouca energia, sozinho - a mãe, a única que o acompanhara durante um bom tempo, viajara uma viajem definitiva, e já ele pensava em viajar também.

E seguiu outros dias com a constante perseguição duma voz que lhe dizia ao pé do ouvido:

- Fraco! Desista! Não há mais sabor! Fraco! Desista! Não há mais sabor...!

Não havia mais sabor na vida, mas não tinha coragem de tirá-la; esperava, contando as telhas, caibros, ripas, farpas, linhas do teto, contou até quantos dias, no máximo, poderia lhe restar de respiros, quantas aspirações lhe seriam doadas, talvez...

À manhã dum sábado, a rede já lhe enfadara e a zoada do balançar da vizinha velha lhe enlouquecia ainda mais; saiu numa caminhada. O dia começara amarelado, a vista também, como um rosto adoecido. Faltava disposição para andar uma passada mais rápida. Cabisbaixo.

Encontrou numa calçada um velho, barbas longas, roupa rasgada, sorridente (mesmo desdentado), e o viu, com a mão nos bolsos, ao que o andarilho lhe interpelou:

- Irmão, aceita uma goiaba?

Como poderia oferecer algo? Mais parecia um mendigo, os quais lhe causavam tanto asco com sua miséria. 

- Como é?

- Uma goiaba, irmão. Trago algumas comigo, estão limpas, e são doces; pode confiar!

- Que coisa! Um mendigo esfarrapado oferecendo uma goiaba a um diabo que nem eu? – pensou consigo.

- E aí, vai querer?

- Obrigado!

Mais passos acima na estrada...

- Mas que goiaba, heim! Nunca vi tipo desse solto por aí, deveria pedir, não oferecer, se bem que não tenho mais nada a doar, a qualquer um.

Por um instante lhe saiu da cabeça a fome de perder a vida, e tirou de foco o buraco que percebera em seus receios. Quando se lembrava da goiaba, da cena do velho a oferecendo, desviava de rota do que lhe atormentava. E viu o medo com um novo ponto de vista...

- Bendito mendigo! Bendita goiaba! Nem a comi e me fez bem... Fez-me repensar...

Passou ao rumo inverso; queria saber do velho o porquê da goiaba. Chegou ao lugar onde o velho estava... Vazio, nenhum rastro, sequer uma semente... Nada!

- Ora! – silenciou quase que também as reflexões.

O velho, mendigo ou fosse o que fosse, sumira do mapa. Na banca de jornal próxima questionou se alguém o vira, ninguém.

E nunca mais o veria, mas passaria a ter um apresso pelas goiabeiras, goiabas, goiabadas, até pensou em vendê-las... Viveu uns dias, meses, anos a mais. Durante esse tempo que (sobre)viveu, foi grato ao velho barbudo e esfarrapado, que por providência do acaso lhe tirou da cabeça a eternidade.

Benedito Gomes Rodrigues
Membro da APL

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