- Chore não! Já é tempo de mudar... – repetiu a si mesmo insistentemente um dia inteiro, sob o martírio da dor de cabeça.
A dor lancinante era fruto de uma preocupação que lhe corroía; perdera o emprego e a vontade de seguir adiante. Àquelas horas, restava-lhe pouca energia, sozinho - a mãe, a única que o acompanhara durante um bom tempo, viajara uma viajem definitiva, e já ele pensava em viajar também.
E seguiu outros dias com a constante perseguição duma voz que lhe dizia ao pé do ouvido:
- Fraco! Desista! Não há mais sabor! Fraco! Desista! Não há mais sabor...!
Não havia mais sabor na vida, mas não tinha coragem de tirá-la; esperava, contando as telhas, caibros, ripas, farpas, linhas do teto, contou até quantos dias, no máximo, poderia lhe restar de respiros, quantas aspirações lhe seriam doadas, talvez...
À manhã dum sábado, a rede já lhe enfadara e a zoada do balançar da vizinha velha lhe enlouquecia ainda mais; saiu numa caminhada. O dia começara amarelado, a vista também, como um rosto adoecido. Faltava disposição para andar uma passada mais rápida. Cabisbaixo.
Encontrou numa calçada um velho, barbas longas, roupa rasgada, sorridente (mesmo desdentado), e o viu, com a mão nos bolsos, ao que o andarilho lhe interpelou:
- Irmão, aceita uma goiaba?
Como poderia oferecer algo? Mais parecia um mendigo, os quais lhe causavam tanto asco com sua miséria.
- Como é?
- Uma goiaba, irmão. Trago algumas comigo, estão limpas, e são doces; pode confiar!
- Que coisa! Um mendigo esfarrapado oferecendo uma goiaba a um diabo que nem eu? – pensou consigo.
- E aí, vai querer?
- Obrigado!
Mais passos acima na estrada...
- Mas que goiaba, heim! Nunca vi tipo desse solto por aí, deveria pedir, não oferecer, se bem que não tenho mais nada a doar, a qualquer um.
Por um instante lhe saiu da cabeça a fome de perder a vida, e tirou de foco o buraco que percebera em seus receios. Quando se lembrava da goiaba, da cena do velho a oferecendo, desviava de rota do que lhe atormentava. E viu o medo com um novo ponto de vista...
- Bendito mendigo! Bendita goiaba! Nem a comi e me fez bem... Fez-me repensar...
Passou ao rumo inverso; queria saber do velho o porquê da goiaba. Chegou ao lugar onde o velho estava... Vazio, nenhum rastro, sequer uma semente... Nada!
- Ora! – silenciou quase que também as reflexões.
O velho, mendigo ou fosse o que fosse, sumira do mapa. Na banca de jornal próxima questionou se alguém o vira, ninguém.
E nunca mais o veria, mas passaria a ter um apresso pelas goiabeiras, goiabas, goiabadas, até pensou em vendê-las... Viveu uns dias, meses, anos a mais. Durante esse tempo que (sobre)viveu, foi grato ao velho barbudo e esfarrapado, que por providência do acaso lhe tirou da cabeça a eternidade.
Benedito Gomes Rodrigues
Membro da APL
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