- É cedo, Adorfo!
Toda visita ao Seu Aquino findava com sua afirmação de sempre... Ele se espraiava em tantas histórias de sua juventude; contava-se vitorioso por ter chegado à velhice e criado dez filhos.
Aprendi com ele uma filosofia sutil, que perpassa as coisas mais cotidianas, como a angústia de perder a vaca que se embrenhara nos espinhos da caatinga, o medo de não ter o que comer no dia seguinte, a tristeza de ter filhos que viajaram antes de seus pais (antes do combinado, como diz Boldrin), mas também o regozijo com a colheita, com as primeiras chuvas, com o canto do passarinho, e as gargalhadas das prosas ao entardecer.
As lágrimas escorriam pelo rosto enrugado, expressões sofridas. Aquele mesmo rosto, vi espalhado pelas casas de taipa ou adobe do interior. Sorrisos banguelas, vistas ruins, oiças mocas, pés rachados, o forte fumo Saci para mascar, as escarradas, a dureza nos gestos, as costas doloridas, tudo velho ao redor, inclusive o desleixo dos novos, que deixavam se perder as riquezas de outrora.
Seu Aquino uma vez me perguntou, serenamente:
- Adorfo, não é querendo ser caduco, não, mas tu sabe me dizer se tu acredita, já que é dortô, no Lá de cima?
- Eu acho que não acredito, Seu Aquino. Não tenho pensado muito nessas coisas. Mas respeito quem acredita.
- Tu me perdoa, Ardofo, mas já sou véi, e véi tem liberdade de falar coisas que novo não... Tu é muito besta pra ser dortô!
- Por que, Seu Aquino? – perguntei ignorante.
- Ele tem que existir, senão eu não taria aqui e nem teria sentido tanto sofrimento! Ele tem que existir... Ele tem que existir, senão essas lágrimas nunca secariam, nem tampouco minha angústia morreria, se a esperança não fosse in flor. Ele tem que existir, e eu insistir que Ele existe, e vai me acudir, como acudiu minha mãe, na hora de parir. Ele tem que existir, como quando roguei pedindo forças para resistir levar a rede com o cadáver do meu filho, morto pelas abelhas, inté a cova que cavei. Ele tem que existir pra eu aguentar esse resto de câncer que tá me corroendo, só não corrói mais que a ansiedade de ir. E Ele sempre existiu, dortô.
Jamais esperava que a conversa fortuita chegasse a algo tão longe. Fui honrado por ele ter sentido confiança para falar assim comigo. Uma lágrima caiu, a última. E eu só assisti Deus existir naquela hora, atônito. Acho que aquelas lágrimas derramadas não foram as últimas, num mar de histórias... Pressenti um pouco do que ocorre no intervalo nosso entre o Sempre e o Fim.
Benedito Gomes Rodrigues
Membro da APL
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