I
Olho a terra
e confesso que me assusto,
Com tamanha quentura e sequidão;
Morre o bicho de sede e morre a planta;
Seca o rio e as cacimbas
e seca o chão.
II
Chego a hora a perder a esperança
De que o clima ainda vai melhorar;
Ergo as mãos e minhas preces para o céu,
Porque sei que a ajuda vem de lá.
III
Passo as noites e também eu passo os dias,
Perguntando a meu Deus o que fazer,
Pois plantar o que, na terra seca,
Com a certeza de que nada vai nascer?
IV
Por aqui já acabou toda a forragem;
O animal que era gordo emagreceu;
Meu riacho também esta secando;
Meu cachorro caçador também morreu.
V
Se o tempo por acaso não melhorar,
Ai meu Deus, te pergunto o que será de nós?
Ninguém sabe e nem sente as nossas dores;
Muito menos escuta a nossa voz.
VI
O marmeleiro a esta altura esta secando;
A carnaúba, todos sabem, já murchou;
O juá já esta todo madurando
E a folha do mufumbo amarelou.
VII
A formiga não estoca mais comida;
O pássaro só canta na madrugada;
O rangido da rã ninguém escuta
E o carão já não canta quase nada.
VIII
Mas, para o povo sofrido do nordeste,
Nada disso lhe tira a esperança,
Com seus ritos, sua fé e sua crença;
Para o ano o inverno ainda alcança.
Benedito Ramos ("Manchão")