Entre serras e serrotes, corre um rio nascente do vale do Coreaú. Abrigada pelo semiárido, nossa cidade se aformoseia pela vegetação seca e rios intermitentes, cercada pela Caatinga com suas cactáceas e carnaubeiras que embelezam sua paisagem tipicamente sertaneja. Sob o sol escaldante ecoam-se os gritos do vaqueiro com suas boiadas, aculturando a região com as charqueadas, as paçocas, os utensílios de couro e fazendo das tripas panelada.
A herança indígena resvala-se nas brancas palmas, tapiocas, nas redes de tucum e no pilão que bate a carne seca banhando nossa gente com a miscigenação cabocla. A criatividade dessa gente sertaneja extrai da carnaubeira o pó e a palha que, artesanalmente, entrançam o sustento dos filhos. São as chapeleiras que arrematam e enfeitam o entardecer desse sertão. O peão de chapéu de palha com enxada, foice e cabaça na mão ganha os roçados para plantar milho e feijão, aguardando a chuva para regar o chão.
As peraltices e traquinagens dos meninos correm às ruas do Peão, do Rabo da Gata, do Pau Torto e do Alto. São infâncias que recordam as doces lembranças de quem aqui aprendeu que se deve tomar a bênção do padrinho, do padre e do vizinho. O soltar pipas, os jogos de bilas, da gata-turma, do pular amarelinha ganham tempos e espaços nas narrativas existenciais de quem um dia nessa cidade teve sua criação.
Os sons guturais onomatopeicos coré, coré, aú, nomeia a cidade Coreaú cujos dialetos indígenas ainda vocalizam-se na fala apressada e sílabas mastigadas quase que incompreensível à um forasteiro. A fé encontra abrigo nos muitos Santos que nomeiam à população, Maria de Fátima, da Aparecida, da Piedade, da Consolação, Benedito, Expedito, Francisco de Assis, Francisco José e tantos outros santos necessários à crença e a cultura desse povo que anualmente festeja por piedade, ou seja, amor e respeito às coisas religiosas.
Os meses de setembro, quentes e de ventos fortes, são abrilhantados com as chitas e os pés descalços dos que alcançaram sua graça. As fachadas das casas são pintadas para receber os ilustres filhos da terra, os parentes e amigos que retornam para festejar no tão esperado dia doze, onde o porco, a galinha e a roupa nova vicejam festividade.
A cactácea como símbolo do povo sertanejo demonstra bem a capacidade do coreauense de resistir a estiagem geográfica, histórica e cultural, marginalizada pelo analfabetismo político e as carências da indústria e do investimento dos recursos públicos. Os filhos da terra são obrigados a partir em busca de uma renda familiar. Os que ficam minguam na improvisação da subsistência ou se aventuram nas humilhações de um emprego temporário.
Os vínculos familiares adentram os interiores das casas da “cumade” e do “cumpade”, estreitam laços e reforçam amizades. As piadas e prosas dão contorno ao cotidiano que nos olhares às janelas e portas especulam por quem vê passar. As partidas de futebol animam as tardes de domingo que inventam seus campeonatos, os rosários rezados dos fins de tarde e as novenas de maio.
As esperanças de uma vida melhor encontraram destino nos estudos dos filhos. Em troca de uma boa educação vendeu-se porcos, galinhas e usou-se o último cruzado para ter um filho advogado formado na capital do Ceará. São pais agricultores, pedreiros, pescadores e carpinteiros ou lavandeiras que venceram com dignidade e respeito.
No vale do Coreaú florescem nomes, histórias, narrativas de vidas que têm nesse sertão de dentro lugares de afetos. Ainda que partam em rumo de melhores oportunidades, um dia desejam voltar, mesmo que seja apenas para visitar, porém nunca esquecerão que em Coreaú há sempre um lugar para morar.
Francisco Rogery Martins Santos Filho
Coreauense
Graduando em Psicologia - UFC
Excelente texto! Parabéns ao autor!
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