segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O CORVO

(De Edgar Allan Poe. Versão para o Cordel)












Numa meia-noite sombria,
Com fadigas corporais,
Lia um singular volume
De saberes medievais.
Prestes a adormecer,
Ouvi um leve bater.
– Há alguém em meus umbrais.

Era um desses dezembros
Sombrios e glaciais
Em que, ao chão, a lareira
Lança sombras fantasmais.
Lia nessa madrugada
Pra não pensar na amada,
Já sem nome, aliás.

Agitando-se a cortina,
Tive medos figadais.
Com o coração aos saltos,
Repeti: – Sob os beirais,
Uma visita pede abrigo.
É tarde, mas, a um amigo,
Importa-nos ser leais.

Com a coragem renovada,
Disse, em tons cordiais:
– Implora vosso perdão
Este a quem visitais.
Então, a porta abri.
Lá fora, no entanto, vi
Só as trevas noturnais.

Ante a treva, tive sonhos
Que ninguém teve iguais.
E disse o nome da amada
Pras aragens invernais.
Aquele nome tão lindo
O eco foi repetindo
Pelas vastidões campais.

Retornei para meu quarto
Com a alma em dores brutais.
Ouvindo outra vez baterem,
Lembrei-me dos vendavais: 
– A batida é na janela.
Certamente batem nela
Os ventos que vêm do cais.

Quando abri a janela,
Passou pelos meus vitrais
Um corvo grande e imponente,
Vindo de eras ancestrais.
A ave de negra pena
Pousou num busto de Atena,
Presa a um dos meus portais.

A ave estranha e escura
Amenizou os meus ais
Com o porte grave e austero
E ares fenomenais.
Perguntei, solene e terno:
– Qual é teu nome no inferno?
Disse o corvo: – Nunca Mais.

Fiquei sobremodo pasmo
Com aqueles sons guturais,
Embora pouco sentido
Tivessem os fonemas tais.
Pensei, com o semblante grave:
– O que me disse esta ave
Nunca ouviram os mortais.

Pareciam, no entanto,
Serem os fonemas finais,
Pois ficou mudo e imóvel,
Sem que eu lhe desse avais.
Perguntei: – Vais, sem tardança,
Como a minha esperança?
Ele me disse: – Errais.

Como os sons das duas falas
Não eram tão desiguais,
Eu pensei: – Quem lhe ensinou
Essas falas usuais
Foi, por certo, algum dono
Entregue ao abandono
E a carências lexicais.

Como a ave amenizava
Meus pesares colossais,
Sentei-me em frente dela,
E, com esforços mentais,
Tentei, em vão, captar
Sentidos no crocitar
E sua mensagem, ademais.

Punha o corvo, em minh’alma,
Seus olhos vis e fatais.
A maciez da poltrona,
Como afagos maternais,
Para o sono me chamava.
Mas vi que ali não estava
Lenore, que amei demais.

Com incenso, cobria o ar
Turíbulos angelicais.
– Miserável! (Disse eu)
É mister que esqueçais
Sua Lenore querida,
Que disse adeus a esta vida.
Disse o corvo: – Em vão, lutais!

Então, perguntei: – Profeta
Ou ser de hostes infernais,
O que te trouxe aqui:
Demônios ou temporais?
Há bálsamo em Gileade
Que me dê tranquilidade?
Disse o corvo: – Nem sinais.

– Profeta ou habitante
Das regiões abissais,
Acaso minh’alma aflita,
Nos páramos celestiais,
Verá, um dia, a dama
Por quem ainda se inflama?
Disse o corvo: – Nunca vais.

– Tua palavra nos separa.
Têm fim seus logros verbais.
Deixe agora esta casa!
Volta à pátria de teus pais!
Sem ligar pro que ouvia,
Disse o corvo, com energia:
– Não vou a outros locais.

A partir daquele instante
Até os dias atuais,
No alvo busto de Atena
Fincou as garras letais.
Ele a minh’alma assombra,
E, preso à sua sombra,
Não me livrarei jamais.

FIM

Stélio Torquato Lima
Poeta/Prof. da UFC

Um comentário:

  1. Conhecia as versões d'O Corvo de Baudelaire, Mallarmé, Pessoa e Machado de Assis! Agora conheço a de Stélio Torquato! Todas as cinco, igualmente à versão original de Edgar Allan Poe, geniais!

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